quarta-feira, dezembro 29, 2004


Frase do dia: “Falar para uma parede não significa que ela não responda, dar-lhe com a cabeça não significa que ela não parta”.


É o silêncio que determina o ruído o nível de caos é demasiado alto a desordem não se encontra na ordem simples da complexidade fora dos jogos de palavras sobre o dia de hoje mau começo o levantar tarde o almoço sem fome ainda antes o café o desespero com a falta de cabelo bem pior do que a falta de ideias ou de cérebro a divagação sobre o cenário político os pedófilos os culpados a inocência perde-se nos primeiros anos esquecemo-nos sobre o dia de hoje o cemitério o ossário a lápide que falta para o túmulo da avó as voltas de carro e o café creio eu creio eu um flirt passageiro adiando de dia para dia a nudez dos corpos as tretas do dia a dia uma imagem passageira e longe um pássaro morto onde estão as asas não importa não importa a ideia para uma história o que é que isso interessa o que é que isso interessa o que é que isso interessa uma velha lembrança de anos atrás quando ela disse junto à linha de metro sobre a tua pergunta se ela pensava saltar se ela pensava saltar ela deu o sim como resposta o sim como resposta os seus pensamentos tão longe e tão perto a tua cabeça atolada em drogas atolada em drogas os seus cabelos curtos a sua pele branca pálida anémica mas como um sol como uma lua como um sol lunar como uma lua a arder e tu cá na terra se ela queria saltar se ela queria saltar e tu riste e tu riste agarraste-a pelos ombros e fizeste-a sacudir como uma folha branca e pura para o imaginário do herói que não eras anos e anos atrás uma lembrança simples e ausente do dia de hoje por que é não disseste que se ela saltasse tu saltarias atrás por que é que não disseste que se ela saltasse tu saltarias atrás que se ela saltasse tu saltarias atrás que se ela saltasse tu saltarias atrás que se ela saltasse tu saltarias atrás que se ela saltasse tu saltarias atrás que se ela saltasse tu saltarias atrás que se ela saltasse.


RMM





terça-feira, dezembro 28, 2004


Frase do dia: “Porquê essa necessidade em nos vermos se vamos continuar a estar cegos um para o outro?”


O vento de leste sopra, trazendo uma chuva morna:
Além do tanque dos nenúfares, o barulho ténue do trovão.
Um sapo de ouro abocanha a fechadura. Abre-a, queima incenso.
Retira água do poço, puxa a corda que tem um tigre de jade.
A filha de Jia espreitou pelo biombo: um jovem encantador.
A Deusa do Rio deixou a almofada ao Príncipe de Wei.
Que nunca o teu coração acorde com as flores da Primavera:
Um punhado de amor é um punhado de cinzas.

Li Shang-yin, Chuva na Primavera e outros poemas

sexta-feira, dezembro 24, 2004


Frase do dia: “Eu sei que são apenas doces de Natal, mas não acredito que os sonhos não possam levar fermento”.


ERA BELO QUANDO SE SENTAVA SÓ


Era belo quando se sentava só, era como eu, tinha as abas largas, segurava a caneca com os dedos crispados, mas mesmo assim os seus dedos eram longos e belos, não gostava de estar sempre sentado, embora desta vez, posso jurá-lo, lhe fosse indiferente.

Dir-lhes-ei por que gosto de me sentar só, porque sou um sádico, porque só os sádicos gostam de se sentar sós.

Estava sentado só, porque estava sumptuosamente vestido para aquela ocasião e porque não era um civil.

Acreditam que somos sádicos e que não têm que se preocupar connosco, e nós não temos opinião formada acerca de se têm ou não de se preocupar connosco, nem nos agrada pensar nisso porque o assunto nos confunde.

É possível que ele já não signifique nada para mim, mas continuo a acreditar que era como eu.

Não estavas à espera de te apaixonares, perguntei-me a mim mesmo, e ao mesmo tempo respondi com ternura: Acreditas que sim?

Ouvi-te cantarolando maravilhosamente a tua canção, dizia que eu não te posso ignorar, que por fim eu tinha aparecido por uma série de deliciosas razões, que apenas tu conhecias, e aqui estou eu Miss Blood.

E tu não voltarás, não voltarás aqui onde me deixaste, e é por isso que guardas o meu número de telefone, mas não o marques por engano quando estiveres a brincar com o telefone.

Começaste a fastidiar-nos com a tua dor e decidimos mudá-la.

Disseste que eras mais feliz quando dançavas, disseste que eras mais feliz quando dançavas comigo, a quem te referias?

Então mudamos a sua dor, brindamo-la com a ideia de um corpo e contamos-lhe uma piada, e ele então pôs-se a meditar profundamente sobre o riso e sobre a chave do mistério.

E ele pensava que ela acreditava que ele pensava que ela acreditava que a pior coisa que uma mulher pode fazer é afastar um homem do seu trabalho, porque isso em que é que o converte, em algo belo ou feio?

Agora penetraste na secção matemática da tua alma, que aclamavas não ter possuído nunca. Suponho que isso mais o destroçado coração te convencerá que tens perfeito direito de ires domesticar os sádicos.

Ele sabia o último verso de cada estrofe da canção, mas ignorava os outros versos, o último verso era sempre o mesmo: Não te digas a ti mesmo um segredo a não ser que estejas disposto a guardá-lo.

Ele pensou que sabia ou que actualmente sabia mais de canto para se tornar um cantor; e se com efeito existe tal ofício, haverá alguém que o exerça e será dele que nascem os sádicos?

Não é um ponto de interrogação, nem de exclamação, é o ponto final de um homem que escreveu “Os parasitas do céu”.

Mesmo que expuséssemos o nosso caso com toda a claridade e todos os que pensam como nós, todos eles se pusessem a nosso lado, mesmo assim seríamos ainda muito poucos.


Leonard Cohen


quinta-feira, dezembro 23, 2004


Frase do dia: “Pois se para ti eu tenho sempre a totalidade da boca... o teu corpo na minha língua, a tua alma nos meus dentes”.

Agora foi e já passou um minuto mais apenas e mais para a frente um pássaro no seu voo demasiado alto na latitude e na longitude de se perder sem bússola no norte sul ao encontro de se perder encontra as estrelas de leste oeste procurando nos seus gritos a chave da responsabilidade para a caixa do seu coração como um túmulo fechado de mais a menos infinito paralelo ao horizonte em queda vertical agora e apenas um minuto mais para a frente e já passou unhas compridas verniz vermelho dos dedos como garras nas costas no sexo e nu sexo agora e apenas um minuto mais para a frente e já passou não vale assim tanto a pena senta-te comigo e mostra-te junto a mim agora pois o amanhã está apenas a um minuto mais para a frente agora e já passou.


RMM

sábado, dezembro 18, 2004


Frase do dia: “Não fujas do rottweiler se é para ires parar à boca do caniche”.

O velho junto ao mar e o sonho do barco que parte sobre as ondas as gaivotas sobre o palco estendido o tapete para o horizonte também nas águas o reflexo das chamas estendidas e a senhora do mar alto como uma imagem e um sonho mas ainda antes pela estrada no carro em frente o reflexo e a imagem pálida de alguém que anos antes desejavas ter nos teus braços e sempre e sempre é o tempo que passa e os dias que naufragam cada vez mais as rodas do carro sangram sobre a estrada que permanece na mesma e para sempre e tão diferente do mar sempre e sempre presa à mortalidade dos homens que morrem e que desaparecem até que nascem outros homens e calcorreiam as mesmas ruas onde já fôramos felizes também se sabe que o mar parte e que volta nas suas vagas de monstro imenso sem nunca apagar as chamas de um coração que queima e que queima mesmo que nunca encontre mais nenhuma satisfação para arder ou para apagar.


RMM

segunda-feira, dezembro 13, 2004


Frase do dia: “Recolhe o novelo, isto não é um labirinto, é um túnel”.


O cheiro a sexo nos dedos igual ao cheiro a pólvora ela aguardou no café a sua pausa de nicotina cortada a espaços pela respiração sôfrega exclamou estás tão calado eu não gosto de silêncios embora suporte a solidão sou mulher para vocês homens é diferente não sei disse ele eu apenas já não me aguento a mim mesmo sou escravo de mim próprio todas as noites destruo-me mais um pouco aponto o revólver à cabeça mas finjo acreditar em deus não me mato pouso o revólver passeio à meia luz projecto as sombras na parede fria os dedos longos e belos e magros o cheiro a sexo igual ao cheiro a pólvora procuro o revólver não encontro saída quando saio de carro rodo pela periferia passo pela ponte sinto que o meu corpo se afunda no rio que tudo em mim se afunda mas como sei eu se eu morro não sei disse ela sorvendo o café da chávena morna nos seus dedos o cheiro a sexo igual ao cheiro a pólvora tossiu não gosto dos teus silêncios pareces conjecturar um crime não és boa pessoa pois sei que o demónio ainda mora em ti mas não faz mal não me interessa paga a conta.


RMM

sábado, dezembro 11, 2004


Frase do dia: “Come a sopa, pá, mal não vai fazer, é um mau tempo para as mãos frias, um mau timing para deixar que o tempo escorra dos dedos, um mau augúrio se não nos reinventarmos neste festim dos fracos, pior ainda se não definirmos a fome”.


“A moda de compaixão e de penitência num canto escuro de descobrimento. à moda de boa intenção e de desejo reciclado e de uma soberba momentânea. à moda de uma contemplação clandestina de uma mancha negra num quadro branco num quarto à moda da meia-luz da madrugada. à moda de uma susceptibilidade enfraquecida, de poucas convicções e de uma longa mentira à moda de promessa. à moda de gavetas mal fechadas e de frases mal construidas, de palavras curtas de memória curta, de voltas e voltas de procura numa arena, de um sorriso de chegada, de um sorriso de partida.assim o ser se vai encolhendo na temperatura, na aridez desconexa e na vitalidade de um passado longo de um futuro longo. tudo isto numa figura geométrica como um monstro cubista. tudo isto com um arrepio na pele como uma pelagem verdadeira. tudo isto assim num dia depois do outro em que as pessoas se unem pelos ritmos químicos como intensos segredos ou dogmas maníacos. assim o ser vai sendo, vendo a cabana a construir o lobo mau, vendo o fumo a construir o auto-de-fé, vendo a miragem contruir o deserto e a própria sede. e a sede. e a imensa sede... como não deixar a língua deslizar para recolher o conhecido cheiro e a invísivel gota de suor? como não beber se a sede é tanta? o corpo tomado em memória do mesmo corpo, como um pequeno livro de horas e misérias. assim o ser vai lendo os soluçados capítulos, em busca do graal, em busca de vingança, em busca do assassino, em busca do pai ou da mãe há muito perdidos, em busca da chave, da justiça, de uma resposta, do conhecimento de uma narrativa aberta. na busca do fim o ser se vai enrolando no canto das páginas, sublinhando-se na real metáfora das ideias. não há tudo isto como uma conta certa. não há tudo isto como um número redondo, uma simetria, uma ritualizada dimensão serena. não há tudo isto na imensa biblioteca do corpo, uma alexandria suspensa como um farol de pirâmide. é a sede, e a fome, e o descanso morno em cima de um braço sem pinga de sangue”.

Cláudia Pinto, Infotraffic

quinta-feira, dezembro 09, 2004


Frase do dia: “Não me rendi a ti, não me vou render ao teu fantasma”.

Flor de pedra flor de aço flor de silêncio flor sobre a campa do meu coração no teu bolso parados cada um do seu lado olhando o vago as palavras o tempo que escorre gota a gota como a profetisa no seu quadro sente um rosto sem vida nas coisas que não se podem tocar profeta do amanhã deus de olhar fixo astronauta sobre a lua a arder flor de pedra flor de aço flor de silêncio flor sobre a campa do meu coração no teu bolso isqueiro do incendiário cocktail molotov lata de gasolina luz fria água na tua boca chocolate nos teus dedos flor de pedra flor de aço flor de silêncio flor sobre a campa do meu coração no teu bolso espaço da ausência incógnita da presença retrato de um tempo que mata e que encerra apenas para amanhã libertar não se entende não se sente não se questiona não se liberta não se prende não se mata não se foge apenas se deixa morrer na escolha para que nessa morte seja no fim a vida a escolher flor de pedra flor de aço flor de silêncio flor sobre a campa do meu coração no teu bolso.


RMM

segunda-feira, dezembro 06, 2004


Frase do dia: “Dá-lhe mais de cem sinónimos, atribui-lhe mais de mil gestos, mas a palavra é só uma”.


Ele sabe que nasceu fora do tempo e do contexto no parágrafo errado da história certa para ser lida a qualquer criança que sonhe em dormir ele atravessa a ponte vislumbrando o rio débil fio de água para a sede do gigante que não se vê ele vive na invisibilidade do possível mas como já não há heróis ele apenas navega na impossibilidade das coisas.



RMM
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AINDA NÃO ME DEI AO TRABALHO DE ORDENAR ALFABETICAMENTE (AZAR!)