segunda-feira, janeiro 31, 2005


Frase do dia: “Até podes ter encontrado a agulha, o problema é que não era esse o palheiro”.

Vens para morrer no meu coração como se fosse a praia garrafa sem náufrago chutada pelas ondas vazia e sem mensagem vens para morrer no meu coração como se fosse a praia como se fosse a areia despida de sereias e castelos de crianças vens para morrer no meu coração como se fosse a praia gaivotas mortas sem voz e sem peixe grito de sangue assinalado a negro num calendário qualquer ultrapassado e sem retorno vens para morrer no meu coração como se fosse a praia cinzas de fogueira viola de canção lamechas de fim de tarde ao encalço de esplanadas vazias desertas vens para morrer no meu coração como se fosse a praia vens para morrer no meu coração como se fosse a praia vens para morrer no meu coração como se fosse a praia antes fosse a praia antes fosse a praia antes fosse a praia.



RMM

sábado, janeiro 29, 2005

Frase do dia: “Que me interessa a tua catedral ser de pedra se nunca soubeste erguer a de legos?”

Duas motas de alta cilindrada paradas junto a um poste duas motas de alta cilindrada paradas junto a um poste dois pássaros sobre o céu dos suicidas dois pássaros sobre o céu dos suicidas uma só voz de um único homem rasgando os espaços tempos planos do jardim dos condenados a viver em vidas felizes também assim o condenado à morte de Poe se salvou da sua inadiável sentença pelas mãos dos outros as guilhotinas ditam as verdades mas por algo que não sabia o que era K o acusado de Kafka caiu como um cão às mãos de cetim dos seus algozes mas ninguém apagará o que na mão está escrito ninguém me salvará da maldição da cigana.

RMM

quinta-feira, janeiro 27, 2005


Frase do dia: “Lembre-se de colocar o fio de linho no seu dedo indicador para não se esquecer de tirar a corda do seu pescoço”.

“Então ele viu que o cão raivoso que o perseguia era, afinal, de peluche”.

Paulo Barbosa, O Centauro

segunda-feira, janeiro 24, 2005


Frase do dia: “Agarra a vida pelos cornos antes que seja ela a meter-tos em cima”.

Recorde
E
Regresse
Ao

POEMA ANTIGO

De noite atravessando o lago a nado o momento
Que te põe em causa
Já não há outro
Finalmente a verdade Que tu mais não és que uma citação
De um livro que não escreveste
Podes escrever uma vida para negar isto na tua
Fita de máquina descorada O texto lê-se à transparência

Heiner Müller, O Anjo do Desespero

domingo, janeiro 23, 2005


Frase do dia: “Continuar a morrer de solidão de mãos dadas”.

Infecção virulenta de doença recente nos olhos da actriz que no seu palco representa os dramas de Brecht tu esperas o intervalo e as seringas de cultura distribuídas lá fora pela camioneta laranja cedida amavelmente pelo Estado Providência tanto faz não importa a agulha penetra mais uma vez a veia o teu cérebro incha és o balão que rebenta na casa de banho em suaves sonhos de hélio alheia indiferente a plateia aplaude.

Bis!!!!

RMM

sábado, janeiro 22, 2005


Frase do dia: “Preferes o que sendo às vezes acontece todas as vezes ou o que sendo todas as vezes se torna só às vezes?”


Grande amiga do homem a kalashnikov deu um grito de espanto o pelotão de fuzilamento esperou de olhos vendados que os condenados encostados a um poste resolvessem abrir os olhos os últimos desejos são demasiado incompletos se eu voltasse atrás seria um homem melhor nem sempre procurei o caminho mais fácil entre coisa e outra estavam certos os pais os erros dos filhos pagam-se nos bancos de comércio não te empresto o carro se jurares que vens hoje mas se o fizeres traz o velho cravo que na jarra murchou.


RMM

sexta-feira, janeiro 21, 2005


Frase do dia: “Que te interessa a bandeira vermelha se apenas estás aqui pelo surf?!”

Dorme o maestro o elefante toca a sineta os amendoins sabem melhor com sal no saco de compras a velha mulher (sobre)vive a salário mínimo e parece alheia à trilogia literária Lautréamont Camus Baudelaire surreal existencialismo absurdo da vida cansada sobre as pernas as varizes mantêm a verdade de que o mundo é um jardim zoológico.

Longe e lá fora sobrevivem os símios enquanto come a banana o jovem homem cheio de pequenos sonhos sonha com a faca gigante que há-de cortar o pescoço do homem grande que lhe faz sombra.



RMM

quarta-feira, janeiro 19, 2005


Frase do dia: ”Minha amiga, o que te roeu a blusa não foram as traças do armário, mas sim os monstros”.

Destróis agora o que construíste sem te lembrares que nem todos os gatos são pardos ou beiges siameses esquálidos irmãos junto às latas retrocedes entre a palavra e o gesto que encerra todos os verbos do princípio e do fim dos tempos de amanhã na última bala do revólver regressas como se nunca existisse o retorno para recomeçar neste momento o caminho em direcção da rotunda em que todas as saídas apontam para a última bala do revólver tentas ainda ver na miopia imaginando o que será tentando esquecer como foi o que ficou apenas como uma última bala no revólver revolves a manta de retalhos à procura de um cabelo daquela mesmo que amaste por um dia como uma navalha no coração que palpita em direcção da última bala no revólver passeias pela casa cantando e dançando assobiando aos pássaros sem ninho nas gaiolas em que as asas dormem na televisão de luzes cegas para o mundo como a caixa sem Pandora mas que a encerra na última bala do revólver acreditas então que é comigo que gritas sem sentires que não está em mim o que amas ou odeias pois mais uma vez gritas contra a parede aos murros sem respostas onde assinas em branco como um cheque o teu mundo escrito o teu nome dito sem mal ou mal dito que por maldade queres vivo quando se por bondade assassinas na última bala do revólver.


RMM

sexta-feira, janeiro 14, 2005


Frase do dia: “Preocupas-te se a pena cai, mas não se o pássaro voa”.

Carta a um amigo


Caro amigo, é óbvio que em breves segundos, minutos, horas, escreverei só para ti letra a letra, já que existe uma certa impossibilidade (circundada pelas falsas distâncias geográficas e físicas) de as palavras poderem ser as ditas e faladas e não apenas as escritas e lidas no momento em que nos encontrarmos olhos nos olhos. Faço-o, também, aqui porque sinto que preciso, para mim, de um certo esclarecimento.
Criei, ou deixei-me criar, este, neste ou por este, blog, devido a uma certa urgência em fugir a um certo simbolismo (e a isto sim, podes chamar romantismo) que parecia estar bastante presente, inerente e presenciado, nas palavras do outro (disakala). Mas, de facto e como tu sabes, eu não sou um revolucionário nem de ideias nem de actos, apenas porque (para mim) isso só poderia ser lido como uma certa hipocrisia que a todos os títulos rejeito e, mais uma vez, reitero: em mim. O próprio conceito revolucionário também me parece meio despropositado; existe um inimigo que é o poder dos que oprimem combatido, com maior ou menor consciência, por aqueles que são oprimidos por ele ou por aqueles que, mesmo não o sendo directamente, entendem que não existe mais nenhuma lógica para a sobrevivência social que não seja o combate. Podemos discutir as ramificações ou a visível invisibilidade desse mesmo poder, mas isso é uma questão para outra altura.
Grande parte das vezes sempre me senti no limiar das oscilações do trapézio, em maior ou menor grau; talvez a fobia social ou o ódio e o nojo a todo o partidarismo (quer de direita, quer de esquerda), nas suas labutas usurárias de cumplicidades várias nos parlamentos, nos serviços ou, simplesmente, nos cafés da neo-intelectualidade alternativa e pedante “tropicalista”, me tenham feito sentir que as próprias ideologias apenas carregam no seu âmago a mais profunda estagnação e marasmo, de vendas e palas nos olhos, negando à própria ordem histórica uma evolução e aprendizagem que seriam, mais do que tudo, essenciais. No entanto, nada disto significa que não me projecte em certas ideias, ou diremos antes arquétipos, marxistas ou situacionistas sem que com isso queira dizer que concorde em absoluto; já que tudo na vida está “repartido em partes” que, mesmo considerando a sua soma como uma operação válida, estão bem longe de constituírem o Todo (o humano, e mais nenhum outro).
No poema em causa a que te referes não está subjacente nenhuma crítica, a que nível for, ao marxismo ou àquilo a que se apelida, erradamente, de situacionismo. A crítica seria mais válida para o estrutural-funcionalismo, para o interaccionismo simbólico, ou para a própria visão de um mundo pós-modernista-a mais falhada e castradora de todas as visões e etc. e tal. Se essa crítica existe, sendo mais do que tudo um retrato, é à própria vida e à vivência deste mesmo que te escreve, coleccionando e debitando os versos negros num sentimento ácido ao seu próprio desespero e marasmo. É engraçado escrever isto porque, neste momento, estou bem longe de estar desiludido com a vida em mim ou com a vida nos outros. Sem com isto significar que se calou em mim o pequeno e pequeno grito de revolta. Mas é bom “ouvir a tua voz”, que eu sei que é a voz crítica.
Talvez a “arte” (em mim) seja apenas a expressão da dor. E essa dor está presente em mim, no meu mundo pessoal, naquilo que eu acredito ser o meu poema.
De todas as formas eu, agora, sei que não preciso de dor. Por isso acredito que um dia não precise e rejeite, de todas e de todas as formas, o poema.
Quanto ao existencialismo... como alguém me disse: ele encerra-se nas seis da tarde ou nas quatro da manhã. A nadificação sartreana tem um certo encanto, mas encerra-se no seu próprio umbigo. Mas também a visão de um mundo fora do absurdo ou do caos não me aquece nem me arrefece nem me parece que possa trazer as palavras que ficaram por dizer... amanhã.
Quanto a este blog, é como tudo na vida. Não é. Vai sendo. Não está construído. Vai-se construindo. Caos, cosmos, ordem, princípio e fim e recomeço. Ex nihilo, nihil.
De todas as formas, sabes que foi e é sempre bom ouvir-te.

Abraço!

Ricardo, o Claus Min
Tempo de um poema...

Não vês minha amada
como as crateras bocejam
enquanto explodem no cérebro
dos canários ideias geniais?
Cupidos ociosos varam os céus
cheios de insectos
e as crianças nos balcões
insultam o sol e as moscas.
O prodígio cresce silencioso
entre flores surdas e
fios eléctricos para mentir à distância.
Cresce na comissura dos lábios
das adolescentes;
Cresce no dorso de uma abóbora menina;
Cresce no dedo que te aponto ao coração.
Vai rebentar minha amada!
Pântanos inquinados recolherão os destroços:
anjos pândegos despenhados e
lábios de amantes como lâminas
ensanguentadas

que caem também
e mais...
Mas calo-me agora minha amada!

António Oliveira, Contra os Poetas & Outros Textos (uma obra lírica incompleta)

quinta-feira, janeiro 13, 2005


Frase do dia: “Constróis e defines em quilos a distância que nos separa em litros?!”

Suicido-me lentamente escrevendo poemas na falta de uma vida o café a colher dissolve lá fora o limão corta a heroína por que é que eu me ralo se o dia chega ou não a acabar por que é que as palavras apenas escondem o que nunca é dito entra a actriz do vestido vermelho e riso vermelho lábios coxas óculos escuros boca mas as cortinas deste teatro nunca se levantaram também eu assim como outros enganados batendo as palmas ao cair do pano.

RMM

quarta-feira, janeiro 12, 2005


Frase do dia: “Com o cigarro nos lábios a arder sonhei-te nesta realidade, realizei-te no meu sonho, mas não há nada mais do que cinzas quando as cortinas de fumo se desfazem, nada mais do que cinzas por cima da crua e cruel lógica do cinzeiro”.



Escuta está frio demais para me contentar com o calor do teu amor que não existe na televisão uma orgia de três mulheres e dois homens não aquece nem arrefece um filme polaco dobrado em espanhol os gemidos espraiem-se sais de qualquer maneira para o velho bar que está para abrir falência já não tens jeito ao balcão Deus não é uma mulher que tu possas seduzir desesperado e triste contentas-te com um minete ao Diabo.

RMM

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Frase do dia: “Se te fecho esta mão é para que não possas ver nela o meu inferno, mas se te abro esta outra é para que ela toque a tua face e sinta o que é beijar um anjo nos lábios”.


Reflexo tonta a luz percorre a viela assim também os bêbedos caem ao longo das escadas o bar já está para fechar a conta pendurada o último piscar de olhos à empregada ao subir as escadas passam por ti a correr o cigarro apaga-se lá em cima a lua enjoada de serenatas e de guitarras sonha os uivos dos lobos semelhantes em tudo a palhaços tristes as gravatas os nós os laços semelhantes a homens que se enforcam calmamente como se passageiros de um outro mundo que parte.


RMM

sábado, janeiro 08, 2005

Frase do dia: “A cor deste sentimento... talvez azul ou verde...”


Tão só e tão apenas só tão longe e tão apenas longe o remédio para o irremediável sem remédio pondero agora o que ele disse nunca mais escrevas versos meu amigo nunca mais porque senão não vale a pena o discurso negro mas eu tão só e tão apenas longe tão longe e tão apenas só sou como Müller todos os anjos de pedra escombros destroços também a minha vergonha precisa do meu poema tão longe e tão apenas só tão só e tão apenas longe acredito no acreditar em voo caindo em estrelas nuvens no teu colo seios amamentando a serpente criança no teu peito tão só e tão apenas só tão longe e tão apenas longe de todas as formas quando estás eu sei que estou perto quando estás eu sei que não estou sozinho.


RMM

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Frase do dia: “O que te interessa atravessá-la se esta ponte for apenas a passagem do nada para o coisa alguma?”



LENDO-TE
para Hugh Seidman


É como se
o meu pai pudesse falar

Seu enorme corpo
silente e maciço
e sob a pele branca e fria
a merda sólida
a aversão

Homem, macho, seu caralho que eu amei
sobre todos os outros, sobre a bondade, tão sobre
o prazer amei seu ódio, a frieza,
a indiferença, o negrume sólido

A cabeça voltada para outro lado
Os olhos voltados para outro lado
O peito, as mamas, o fato de banho- metade
de mim, metade meu! Nunca meu, nada,
não sei qual de nós quero
eu matar por isso mas quero algum
sangue espesso
algum carvão no corpo algum
fogo esse copo ardente de bourbon
caralho prometido e nunca dado
pelo qual eu era capaz de me esfolar

Agora quebrando seu silêncio, vejo como te
extravasas sobre as palavras
extravasas sobre o fim dos versos
para te suspenderes no espaço negro isolado
só e humilhado, ali gingando como uma
estrela, um herói
Eis-me aqui fora contigo
agora contra o farrapo do silêncio
quebrado


Sharon Olds, Satanás Diz

terça-feira, janeiro 04, 2005


Frase do dia: “Teia de enganos, cavalo de erros, a loucura da sanidade a martelo no obscurantismo do que em nós foi luz, palavras, versos, mais do que tudo a frase... naquela em que eu li como sendo reticências... os teus olhos entenderam ser a sequência de pontos finais, mas adiante, não há que chorar ou ter medo, pois nós sempre soubemos que a vida não se rende aos fracos”.


Ainda é cedo está calor não nos deitamos não saímos porque lá fora passeiam os fantasmas da nossa morte uma cobardia demasiado certa quando se descobre a verdade das coisas tudo se torna ridículo paramos especados junto à televisão os americanos e as suas bombas deixam mais espaço para novas bombas carregadas de doces chocolates rebuçados para os cadáveres das crianças se deliciarem o Rato Mickey era um herói de uma outra infância a juventude são só alguns anos não vale muito a pena fazermos planos para o futuro escuta o amanhã quando passar por ti não vale a pena estas poucas de palavras estes versos não querem dizer nada por que é que eu insisto quando é mais que certo que escrevo para uma corja de intelectuais ou de imbecis chapados tal como tu que lês tal como eu que escrevo não percebemos nada passeiam ao longo das páginas outros tigres de papel chacais atirando-se às carcaças dos paradigmas que caíram o marxismo o estrutural funcionalismo entre outros a situacionista e bem ao longe um som qualquer de uma criança que chora como um violino mal tocado pelo cego que passeia nas carruagens do metro ninguém repara já ninguém liga tilintam as moedas os novos Euros de uma Europa aos remendos e às costuras por todos os lados os seus cães de guarda vigiam as fronteiras mas deixam passar os vícios que a alimenta como um velho drogado proxeneta de fato e gravata juntando os trocos a soldo e a troco das putas nos andaimes e nas esquinas dos escritórios onde os enfatuados engordam para a manutenção dos ginásios para o parlamento segue o táxi rápido talvez para o próximo executivo discutiremos se vale a pena ou não condenarmos esta geração a nunca sair da sua letargia estúpida de não prestar para nada de diferente a democracia venceu por falta de pachorra dos adversários para se transformar em novos cães para um osso pago os meus impostos contribuo para o bem da nação.


RMM





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AINDA NÃO ME DEI AO TRABALHO DE ORDENAR ALFABETICAMENTE (AZAR!)