quarta-feira, março 30, 2005

Frase do dia: "Não deixes, sob pena de te esqueceres quem é o sujeito, que o objecto do teu controlo se transforme no objecto que te controla; isto é, em ti mesmo".



CARTAS FALHADAS A PAIXÕES ANTIGAS CARTAS ANTIGAS A PAIXÕES FALHADAS



Março de 1999


R*** C******,



Estavas no recital de poemas do herberto helder. Espero que tenhas gostado dos poemas porque, sinceramente, aquela pseudo-representação teatral deixou muito a desejar e acabou por não fazer grande justiça ao escritor que foi e que é o herberto helder. Além disso acabaram por "não ter coragem" de recitar os poemas verdadeiramente de ruptura ou os mais psicóticos.
Há uns tempos escrevi este poema que é baseado no tipo de escrita do h. h., dentro, é claro, da minha mediocridade. O que me levou a escrevê-lo foi, em grande parte, o abstraccionismo (neste momento parei porque esqueci-me se esta palavra leva um ou dois Cs) que é para mim encarar os teus olhos e não conseguir lhes atribuir nenhuma cor específica. Não consigo ver se eles são verdes ou cinzentos. Tal terrível problema tem-me feito perder muitas horas de sono! No entanto acho que não são nem de uma cor ou de outra, ou talvez seja da junção destas duas cores que resulte a cor dos teus olhos. Ou então a minha óptica invisual já é por demasiado grande e não consigo ter a visão que as outras pessoas têm. Queria ter-te dito isto na noite do recital, mas, como já tem sido hábito... estava "demasiado fumo" pela sala.
Não espero que gostes do poema, apenas que o leias.

Julgas-te infalível mas o pó de giz
mantém-se nos dedos.
A verdade amontoa-se nos cantos do quadro negro
o abecedário deste momento adormece no sussurro que embala
o murmúrio do Ser Abstracto- Os teus olhos verdes
desfiguram a sala e perseguem
a lembrança de ontem o cigarro de hoje o café
de manhã
quando acordas e respiras
o bater dos ponteiros que embalam
o tempo
os minutos os segundos
e o inútil contratempo das horas quando é noite
e o pano cai quando uma mancha lhe turva
o rosto
por barbear a tua lembrança como um fóssil.
E a navalha do plágio quando a aranha come a mosca
na sua teia como num trapézio sem chão
onde percorro como num carrossel de imagens os teus olhos
me impedem
no labirinto para o sono.


Ricardo



LETRAS DE UMA SÓ PALAVRA


"Quando o luto não vem inscrever no real a perda de um laço afectivo (de uma força), o morto e a morte virão assombrar os vivos sem descanso".


José Gil, Portugal, Hoje, o medo de existir








segunda-feira, março 28, 2005


Frase do dia: "Aquilo que tu entendes como sendo o Mal pode não ser o oposto do que eu caracterizo como sendo o Bem, no fundo conceitos abstractos, vagos, imbuídos de morais e arquétipos de valores e representações, expectativas, visões do mundo, dos outros e de nós, etc; mas de todas as formas, mesmo que exista um consenso em relação a esse mesmo Bem tal não significa que tudo aquilo que se lhe opõe se defina como sendo, obrigatoriamente, o Mal..."



Há uns dias atrás fui ver uma pequena peça de teatro a Lisboa, no foyer do Teatro da Comuna, a convite da minha velha amiga Ana Teresa Santos, actriz em monólogo durante os poucos mais de 30 minutos que aquilo durou (C. e S., foi tudo muito rápido e não pude avisar ninguém- a doença súbita de um familiar próximo e a preparação da minha viagem para Istambul por pouco não impossibilitaram a minha ida). De todas as formas, lá fui ver a peça, A Mulher do Quadro, baseada num quadro do Edward Hopper, escrita e encenada pelo Paulo Lage, com a Ana Teresa Santos e o Elmano Sancho, todos eles alunos e ex-alunos do Conservatório. A peça contava ainda com o acompanhamento ao piano por parte do António Neves da Silva.
Ao princípio andei meio perdido, tinha uma ideia muito vaga sobre a localização do Teatro da Comuna, sabia que era perto do Teatro Aberto, mas o meu sentido de orientação é completamente nulo. Felizmente apanhei boleia com um casal do Algarve, que também estava à procura do mesmo recinto, e, depois de algumas quantas de voltas pelas rotundas e circulares várias, e principalmente depois de uns quantos de telefonemas, lá conseguimos chegar.
A peça, que terá uma breve reposição nestes próximos meses, narra a história de um romance vivido entre uma mulher judia e um oficial nazi. A mulher é a única que fala, enquanto o homem permanece completamente mudo do início ao fim da peça. Ela está a despedir-se porque se cansou de fugir, despede-se porque dentro em breve será apanhada e enviada para um "campo de trabalho", despede-se porque ele, a exemplo de todos aqueles que servem o Poder sem o questionarem, mantém-se no mesmo mutismo silencioso e silenciado porque entre o amor a uma mulher e o amor a uma pátria preferiu, indubitavelmente, o segundo. Soa-me algo estranho porque não sei qual dos dois será o mais abstracto. Soa-me estranho porque não sei até que ponto o Amor pode ser parcelar e divisível, ou até que ponto podem existir incompatibilidades entre amores "diferentes". Se é que existe amor...
Não sei qual de nós, ou qual dos dois, será o mais cego (...), mas fartei-me de rir quando a minha amiga me disse que as suas colegas pensaram que eu era casado- visto terem tomado o anel de prata que eu uso no dedo anelar como uma aliança. Bem, talvez essa seja uma das causas para alguns falhanços! Ah! Ah! Ah!
A peça acaba com o suicídio da mulher, como se essa não fosse uma última forma de fuga tão (ou tão pouco) válida como qualquer outra.
Não sou crítico de nada, tirando de todos os Eu que conheço e desconheço, mas achei a peça representada com um teor muito mais forte do que aquilo que já tinha tido a possibilidade de ler.

A certa altura os meus ouvidos depararam com uma passagem que dizia:

"Amanhã partirei (...). Deixo no guarda-vestidos as minhas melhores roupas para o teu futuro amor. Para onde vou não preciso delas".

Não sei o que isto quis dizer para mim, mas é certo que me surgiu algo descontextualizado. É certo que nós nunca somos sempre algo de definido, vamos sendo, transformando-nos, evoluindo, talvez eu esteja errado e a divagar, mas não sei... De todas as formas, sendo sincero, eu sei o que aquilo quis dizer para mim. Eu rejeito todas essas roupas, todos esses trajes, do guarda-vestidos eu ainda prefiro os monstros e as traças. Prefiro a completa nudez, não procuro no dia de ontem as cores para o dia de amanhã, prefiro os farrapos desde que esses farrapos sejam os que te despem e não os que te vestem.
Talvez esteja a pensar apenas do ponto de vista daquele que já viu partirem, mas creio que a operação inversa é tão válida como a outra, aplico a mesma lógica em relação àquilo que já foi, por mais que a vida seja cíclica, por mais que ao gritar para o vazio apenas me surja o eco da voz do eterno retorno, não interessa.
Da mesma forma, descontextualizando esta passagem, que entendo dentro do seu contexto, apenas faço o realce de que todas as coisas que têm interesse são aquelas que são, ou que pelo menos parecem(?!), realmente, únicas.
Não me interessa que as coisas sejam clones, idênticas ou similares, rejeito todos esses padrões e todas as tendências que entendem a vida como uma continuidade com princípio meio e fim. Prefiro aquilo que o meu amigo Luís F. Simões escreveu com as palavras do Ser na Descontinuidade.

E este é o delírio existencialista das 3 e tal da manhã.

Mais uma vez... amanhã estarei em viagem.

E para que esta vinda aqui não tenha sido uma perda de tempo completa...


Tempo de um Poema


Pó cheira a raio de sol,
mel bravo à liberdade,
boca de moça à violeta,
e o ouro não cheira a nada.
A reseda cheira à água,
amor à maçã rescende,
mas agora já sabemos-
só o sangue cheira a sangue...

Em vão o pretor romano
se lavava as palmas grossas
sob os gritos da plebe.
E a rainha da Escócia
debalde raspava as gotas
vermelhas da mão esguia
na penumbra sufocante
da real moradia.


Anna Akhmátova, Só o Sangue cheira a Sangue




segunda-feira, março 21, 2005

Frase do dia: "Dizes que te queres alimentar das minhas palavras, mas a única coisa que te posso oferecer é esta boca esfomeada no silêncio".



O HOMEM SEM SORTE



Há uns quantos de meses atrás tive a oportunidade de tirar um curso de formação, promovido pela Associação Camaleão, de contadores de histórias. Valeu mesmo a pena. Se bem que tenha uma maior facilidade com a palavra escrita, a verdade é que acredito que o mais profundo objectivo da palavra seja mesmo a oralidade- a voz audível e os ouvidos que ouvem- e, talvez, num certo sentido, até com um peso muito maior do que os olhos que lêem. Foram mesmo bons momentos. O dia em que pude contar um dos meus contos no Ateneu valeu bem mais pelo seu carácter de descoberta do que de iniciático. Ora, porque escrevo eu isto? Bem, pela simples verdade que este conto se aplica na íntegra a um imenso número de aspectos com os quais me vou deparando na vida.. Faço-o, também, devido a uma certa vergonha de, desde esse dia, nunca mais ter lá aparecido para contar mais nenhum conto- não obstante a boa vontade e persistência dos contadores da Camaleão- a Helena Faria e o José Geraldo- pessoas que pela sua paixão e dedicação ao mundo dos contos, assim como ao teatro, me marcaram de uma forma positiva e rara- tendo em conta o panorama medíocre e elitista, a nivelar por baixo, desta cidade de Coimbra. Este conto, que já pude ouvir por tantas vozes, é dedicado a eles.

Era um homem sem sorte nenhuma. Pelo menos é o que ele pensava e dizia para consigo tantas vezes. A vida corria-lhe mal. Perdia o emprego, perdia todas as namoradas, não conseguia lugar para estacionar o carro porque, sem emprego para arranjar dinheiro, um carro era coisa que ele também não tinha. A sua vida parecia não ter brilho, era baça, ainda pior, era mais baça do que uns sapatos de verniz sem graxa. Acordava sempre tarde, nunca conseguia ouvir o despertador. Ao pequeno-almoço colocava sal no café em vez de açúcar, saía para apanhar o autocarro que chegava tarde e sobrelotado. A vida corria-lhe desta maneira, triste, solitária, com algo de mórbido, com algo de fatal.... até que um dia.... ele disse: Basta! Já chega! Estou farto disto! Da minha vida! Farto de não ter sorte nenhuma! De ver os outros a conseguirem com tanta facilidade tudo aquilo que eu, mesmo a esfolar-me como um camelo, não consigo! Farto de os ver com tanta sorte e eu com tanto azar! Estou farto disto!
Bem, sendo assim, com esta trágica constatação que a sua vida era profundamente entenebrecida pelo azar, o nosso homem resolveu tomar uma decisão. E o que fez ele? Sim, o que fez ele? Ora, ele foi falar com Deus. Só Deus, criador do mundo e de todas as suas criaturas é que lhe poderia responder sobre os porquês de todo aquele azar. Só mesmo Deus. Bem, sendo assim, lá se meteu ele a caminho pelo mundo à procura de Deus.
A certo momento, estando ele nessa busca apressada e incansável, deteve-se junto a um pequeno riacho. Junto desse riacho estava um lobo. O lobo estava de tal modo magro e fraco que era só mesmo pele e osso. Este, quando o viu ali, perguntou-lhe:
- Onde é que vais com tanta pressa, amigo?- a sua voz era débil, fraca, magra como o riacho onde bebia.
- Ora!- respondeu o homem.- Vou à procura de Deus!
- De Deus!?- espantou-se o lobo.
- Sim, de Deus. Só ele me poderá responder por que é que a minha vida não tem sorte nenhuma. Por que é que sou o homem mais azararado do mundo! E ele vai ter de me responder! Ai se vai!
Dito isto, preparando-se ele para recomeçar a sua busca incansável, o lobo, que achara curiosa aquela procura, pediu-lhe para adiar um pouco a sua partida.
- Espera, espera um pouco...
- Sim, diz lá...- a sua pressa deixava-o inquieto.
- Olha, se vires Deus pergunta-lhe. Pergunta-lhe por que é que eu estou assim tão fraco. Sem forças nenhumas... És capaz de fazer isso por mim, homem?
- Sim... está bem. Eu pergunto a Deus sobre a tua fraqueza.
Retomou o seu caminho, passando por montes e vales, rios e lagos, montanhas e mares. De repente, a meio da viagem, reparou numa enorme árvore que o parecia chamar. Não estando ele habituado a ver árvores a falar (estava mais habituado a ver, ou a ouvir, lobos já que era um grande fã da história do Capuchinho Vermelho) resolveu aproximar-se para escutar o que árvore lhe tinha para dizer.
- Ó árvore, deu-me a impressão que me estavas a chamar?- perguntou ele.
- Sim, homem.- respondeu a árvore- Vi-te a passar com um ar tão apressado e queria saber o porquê de toda essa pressa.
- Olha, o porquê de toda a minha pressa é só um. Estou à procura de Deus.
- De Deus?- perguntou a árvore- És assim... um daqueles homens com muita fé?
- Nem por isso ó árvore! Eu sou é um daqueles homens com muito azar. É por isso que estou à procura de Deus. Para saber o porquê da minha falta de sorte.
- Percebo- disse a árvore- Mas, olha, tenho um favor que te queria pedir.
- Ok.- respondeu o homem sem grande vontade.
- Bem, se encontrares Deus pergunta-lhe por que é que eu estou assim. Tão fraca, tão sem vida, com as minhas folhas a caírem todas e sem nenhum fruto a crescer em mim. Cada vez mais fraca, a definhar e a morrer. És capaz de fazer isso por mim, homem? De lhe perguntar sobre a minha fraqueza?
- Tudo bem, árvore, eu pergunto-lhe sobre a tua fraqueza.
O homem retomou o seu caminho até que... encontrou uma casa enorme com uma linda e linda mulher que chorava na varanda. A mulher, ao vê-lo, chamou-o. Não se fazendo rogado, o homem entrou em casa.
- Chamaste-me, linda senhora?- perguntou ele.
- Sim, homem, vi-te a passar apressado e queria saber onde é que vais com tanta pressa.
- Ora! Eu vou à procura de Deus! Para saber por que é que sou um homem sem sorte nenhuma. Um homem com um terrível azar que o persegue durante vinte e cinco horas em dias de vinte e quatro horas apenas.
- Olha, há um favor que te gostaria de pedir....
- Estás à vontade minha linda senhora!- respondeu o homem sorrindo.
- Se encontrares Deus pergunta-lhe por que é que eu estou assim... tão triste, sempre com os olhos molhados de lágrimas. És capaz de fazer isso por mim, homem?
- Na boa!- respondeu ele.
E meteu-se a caminho até que... como dizem que quem procura sempre encontra, e já que isto é mesmo um conto, o homem encontrou Deus. Mal o avistou dirigiu-se a ele completamente esbaforido.
- Ouve lá, Deus, há uma coisa que eu gostaria de saber...
-CALA-TE!- gritou-lhe Deus- Achas que estás na casa da mãe Joana!!? Ao menos pedes licença! Pensas que isto é o quê, pá!
O homem, intimidado e algo envergonhado pela sua falta de modos, lá pediu desculpas. Depois, lá resolveu apresentar o seu caso de uma forma mais diplomática.
- Bem, Deus, o que me traz aqui é a minha falta de sorte. Sou um homem a quem tudo corre mal. Sinto-me triste, sozinho, desamparado, não consigo fazer nada com a minha vida e estou cada vez mais farto dela. Sou mesmo um homem sem sorte.
Deus sorriu-lhe.
- Ora, é claro que tu também tens sorte! Todas as criaturas o têm!
O homem mal queria acreditar naquilo que os seus ouvidos escutavam.
- O quê!!!??? Eu também tenho sorte... mas como...
-É claro que também tens sorte!- tranquilizou-o Deus- Tu apenas tens de a procurar e encontrar. Tens de encontrar a tua sorte.
O homem ficou feliz da vida! Saiu aos saltos e aos pulos de ao pé de Deus! Mas, atenção, antes disso fez as três perguntas que lhe pediram: a do lobo, a da árvore e a da mulher. Desatou a correr apressado, pois claro, porque a sua sorte estava à sua espera e nestas coisas convém ser-se proactivo (nota do contador\escritor- foi aquilo que o meu orientador de mestrado disse que eu não era, foi mesmo muito mau, tss, tss) já que nestas situações não há nenhum tempo a perder.
Sendo assim, o homem retomou o caminho para casa. A sua busca de Deus terminara. Agora faltava encontrar a sua sorte.
Mais uma vez passou pela casa e, mais uma vez, estava a linda e linda mulher a chorar à varanda. Mal o avistou ela chamou-o.
- Então, homem, encontraste Deus?- perguntou-lhe curiosa.
- Claro que encontrei! E sabes que mais? Ele disse que eu tenho sorte. Eu apenas tenho de a procurar e encontrar.
- E a minha pergunta? Perguntaste-lhe o que eu queria saber?- os seus olhos cresciam com a ansiedade.
- Sim, eu perguntei-lhe. Olha, Deus disse que estás assim tão triste, tão chorosa, porque estás sozinha. A solução para os teus problemas está em encontrares alguém, um homem, que queira ficar contigo ao teu lado.
A mulher sorriu de contentamento. Perguntou-lhe:
- E tu, homem? Queres ser o meu homem? E eu serei a tua mulher? Queres ser aquele que vai preencher a minha solidão?
O homem mal queria acreditar no que a mulher lhe dizia.
- TU DEVES TAR É DOIDA! Então Deus disse que eu tenho de procurar e encontrar a minha sorte... e ainda achas que eu vou ficar aqui!!? Tem é juízo e arranja outro!! Francamente!
Dito isto, lá retomou ele a sua busca apressada pela sorte até que, mais uma vez, encontrou a mesma árvore.
- Então, homem?- perguntou-lhe a árvore- Conseguiste encontrar Deus?
- É claro que encontrei! E sabes que mais? Deus disse que eu também tenho sorte. Que apenas tenho de a procurar e encontrar.
- E fizeste-lhe a pergunta que te pedi?
- Sim, árvore, fiz a tua pergunta. Deus disse que no meio das tuas raízes está enterrado um baú que contém um grande tesouro. É esse baú que impede as tuas raízes de se alimentarem como deve ser e de conseguirem todos os nutrientes. Por isso é que estás tão fraca e a apodrecer. E, olha, Deus também disse que se encontrares alguém que possa cavar junto às tuas raízes e retirar esse tesouro os teus problemas irão acabar. Voltarás a ser uma árvore forte e cheia de vida.
A árvore encheu-se de alegria.
- Homem, não queres ser tu a cavar junto das minhas raízes? Desta maneira posso voltar a ser uma árvore frondosa e forte e tu, sim, ao me ajudares serás aquele que ficará com o tesouro.
O homem mal queria acreditar no que a árvore lhe propunha.
- TU DEVES TAR É DOIDA!! Então eu que estou à procura da minha sorte! Eu! Ia ficar aqui a cavar!!? Tem é juízo e arranja outro!! Francamente!
Mais uma vez o homem retomou o seu caminho e, mais uma vez, encontrou o lobo.
- Então, homem? Encontraste Deus?
-É claro que encontrei Deus! E sabes o que Deus me disse? Que eu também tenho sorte. Que apenas tenho de a procurar e encontrar.
- Fico feliz por ti.- disse-lhe o lobo- Mas fizeste-lhe a minha pergunta?
- Sim, lobo, eu perguntei-lhe. Deus disse que estás assim tão fraco, tão definhado, tão só pele e osso, porque estás com fome. Deus ainda disse que se encontrares um louco que se coloque à tua frente e se deixe devorar por ti os teus problemas acabaram.
Então, não pensando duas vezes, num espaço mais breve do que o piscar de pálpebras, as mandíbulas do lobo devoraram o homem.

Esta é uma história que sempre gostei de ouvir e contei-a à minha maneira. Não sei a sua origem, embora digam que, na sua génese, ela provenha da tradição da oralidade africana.

Espero, principalmente, é de não estar mesmo na boca do lobo ou que, pelo menos, as mandíbulas ainda não se tenham fechado por completo.

Amanhã passarei junto à tua janela.


RMM

sexta-feira, março 18, 2005

Frase do dia: "A Noite... por que é que a embalas se tu a queres explodir?!"


A fórmula esgota-se de dia para dia cada vez mais difícil disfarçar que a máscara é de barro e que o gigante usa andas ao estilo das feiras por mais que tu queiras não passarás incógnito pelo barqueiro não passarás o teu corpo transforma-se não voltarás a montar o cavalo de fogo escreves poemas escreves a tua vida em papel higiénico este de certeza não será o lugar nem o tempo para acariciares com as mãos a serpente de plumas a verdade não está nem em ti nem no outro envelheces mas ainda virá o roupão e os chinelos a internet é a falsa porta dos fundos da mansão percorres com os pés descalços os labirintos do silêncio o copo junto aos lábios o cinzeiro em que os cigarros morrem depois de te fazerem morrer mais um pouco é inútil foges de uma forma absurda das tentativas de afecto dos corpos que passam sonhas com punhais e navalhas procuras nos livros a definição de loucura mas não chega nem nunca vai chegar esta época esta cidade mais um ciclo que passa passeias às voltas contornas a rotunda de forma circular desenhando as letras desenhando os números encontras a (i)lógica (in)certeza será sempre o quinze ou o sete ou o nove esquece o dois o quatro o seis ou o dez porque estás sozinho toda a solidão é ímpar esquece os números pares aumenta o volume do rádio e escolhe o quinze e escolhe o quinze e escolhe o quinze.


RMM

terça-feira, março 15, 2005

Frase do dia: "Come um rebuçado que é para ver se adoças!"



Sentado fora do teatro as janelas cerradas de cortinas pois a peça acabou.
Agora perguntas quem disparou a arma.
Ao que respondo que se a bala está no teu coração enterrada fui eu.

Agora perguntas se eu esperei que voltasses.
Ao que respondo que na sofreguidão do regresso apenas espero por quem nunca partiu.

Sem princípio nem fim a solidão dos actores vive-se no meio

do palco.




RMM

domingo, março 13, 2005

Frase do dia: "Por mais que seja o começo da Primavera... sinto o cheiro do fim em todas as árvores".


Bem, parece que as actividades bloguistas têm surgido de vento em popa e aparece-me agora outro velho amigo com um blog.
Este é do Joel Gomes que foi meu colega na Escola Técnica de Imagem e Comunicação, em Lisboa, no curso de Argumento (já lá vão uns quantos de anos!!!).
Pá, se há alguém que vale a pena ser lido é mesmo ele. É um dos gajos mais originais e cómicos que pude ter a oportunidade de conhecer.
Mais uma vez os meus 12 fiéis leitores\as deste espaço podem visitá-lo no Ovo Redondo.

Já agora, Joel, convém especificar se o preferes cru, estrelado, ou cozido.

sexta-feira, março 11, 2005

Frase do dia: "Por mais que defenda o Humano... é muito mau sinal quando as máquinas falham".


O meu grande amigo Paulo Barbosa "emigrado" na Holanda, depois de uma longa viagem espiritual pela Índia, resolveu viajar ainda mais e criou um blog. Pois fez ele muito bem, embora sempre tenha gostado de o ler na experiência colectiva com a pandilha do Núcleo Duro.

Os meus fiéis 12 leitores\as deste blog podem visitar este dedicado jornalista escritor e poeta no seu novo espaço on line que atende pelo nome Economia de Palavras.



DESEMPREGO



Tal como Rimbaud, as vozes instrutivas exiladas, a abominação a todos os modos de vida, a inabilidade na luta
Tal como La Boétie, perfilho o "Discurso Sobre a Servidão Voluntária"
Tal como o meu irmão, degrado-me na usura e sou dispensável
Tal como Belmiro, queixo-me da conjuntura e sou perverso
Agora, acordo preguiçoso, sem hora nem ponto, conhecendo as mutilações que nos aguardam, implacáveis
Tal como Ginsberg, fico sentado dias a fio a olhar as rosas na retrete
Colecciono máscaras e escrevo frase sob frase pelo cano abaixo


Paulo Barbosa, Economia de Palavras

segunda-feira, março 07, 2005

Frase do dia: "Vou sentir BASTANTE a tua falta".


Há uns dias atrás, durante os meus trabalhos atabalhoados para o mestrado, no Colégio Islâmico de Palmela, tive a oportunidade de ter uma conversa interessante, mas também em tons de recolha de informação, com um dos monitores do ensino religioso. Este jovem homem, de sorriso simpático e afável, que responde pelo nome Zuber, contou-me, então, algumas histórias de âmbito religioso que achei bastante interessantes e com o seu quê de ensinamento- não esquecendo, obviamente, que em toda a interpretação está sempre subjacente o espírito da dúvida e do questionar-sendo nestes principais aspectos que se tende a procurar uma qualquer luz que incida sobre os azulejos de mármore sob a sombra, ou sobre os vitrais dos fragmentos das cores do desconhecimento.
A história, que aqui faço destaque, tem como principal protagonista um homem que era bastante crente e devoto a Deus- entendido como absoluto, único e incomparável com o que quer que fosse. No entanto, sendo sempre um humano, também ele estava sujeito à admiração e a uma certa inveja.
Chegou aos ouvidos deste homem que um outro, também ele um fervoroso devoto, havia estado três dias seguidos prostrado, em oração contínua para com Deus. Este facto, além da admiração, causou uma certa inveja ao nosso protagonista, pois também ele gostaria de estar três dias em oração contínua-sinal de que o seu amor para com Deus poderia ser ainda maior. Intrigado com este aspecto logo tratou de procurar o outro, para que ele lhe mostrasse qual o segredo para estar assim tanto tempo em oração.
Assim que o encontrou, sempre com essa dúvida a assaltar-lhe o seu âmago, logo tratou de lhe fazer essa mesma pergunta. O outro sorriu-lhe, calmamente, dizendo que tal era bastante fácil e simples e que, logo, também ele iria conseguir estar esses três dias em oração contínua. Para tal bastava apenas que ele cometesse um pecado.Um simples pecado. Tal resposta intrigou o nosso protagonista. Pecar, no que quer que fosse, era algo que nunca sequer lhe tinha passado pela cabeça. No entanto, seduzido pelos argumentos do outro- de que do arrependimento cresceria uma maior devoção- essa ideia de cometer um pecado começou a ganhar contornos de alguma racionalidade lógica. No entanto, e de todas as formas, a dúvida parecia querer persistir: mas que pecado cometeria ele? Foi então que o outro lhe sugeriu que matasse alguém,, pois o atentar contra uma criatura que Deus criara seria um pecado suficientemente grandioso para que o seu arrependimento fosse bastante grande. O nosso protagonista irritou-se com esta sugestão. Matar alguém?! Não! Nunca! Jamais! Sendo assim, com esta veemente negação, o outro sugeriu-lhe, já que ele não queria matar ninguém, que dormisse com uma mulher casada. Mais uma vez o nosso protagonista se irritou com a sugestão. Cometer o pecado do adultério e da fornicação com uma mulher que não era a sua!? Isso era uma ideia que nunca sequer lhe passaria pela cabeça. Não! Nunca! Jamais! Foi então que, já algo cansado, o outro lhe sugeriu que fosse até à taberna e bebesse um copo de vinho. Embora condenável, o álcool seria um dos chamados pecados menores. Algo hesitante, o nosso protagonista aceitou esta ideia. Afinal qual seria o problema? Um copito de vinho seria sem dúvida um pecado, mas era daqueles que não causaria mal a ninguém ou a terceiros. Depois, quando estivesse bastante arrependido, também ele conseguria estar três dias seguidos em oração e a pedir desculpas a Deus.
Com este pensamento na cabeça entrou na taberna, sítio no qual nunca entrara, e pediu um copo de vinho, bebida que nunca antes provara. Ora, não estando o seu organismo familiarizado com o álcool os efeitos de tal bebida no nosso protagonista foram bastante intensos. Saiu da taberna bastante bêbedo e a cambalear. Enquanto cambaleava pelas ruas reparou numa mulher que o a.atraía bastante e logo tratou de a seguir até casa. Entrou na casa da mulher e logo que pôde atirou-se a ela movido por puro desejo carnal. Passado algum tempo entrou em casa o marido dessa mesma mulher. Ao ver este desconhecido que o olhava com olhos de pura raiva e ódio o nosso protagonista assustou-se e teve medo. Ora, sendo o medo um dos principais dinamizadores de muitos dos actos humanos, ele não esteve com meias medidas. Matou o homem.

Achei esta história com o seu quê de interesse, embora não queira levar a minha interpretação para os aspectos moralizantes. Apenas me fez lembrar que, muitas vezes, não existe qualquer tipo de mal menor. Tudo é consequência de qualquer coisa, muitas vezes não sabemos onde começou ou quando vai acabar essa mesma bola de neve. Por isso não existe nenhum mal menor. Quando fazemos essa escolha já estamos a perder. É óbvio que o mundo é mais cinzento do que preto ou branco, mas também é verdade que todas as cores que existem no mundo foram apenas feitas para colorir as nossas vidas, não para as pintarmos de sombras.
Seja lá o que isto signifique.
Porque eu não sei.


RMM

terça-feira, março 01, 2005

Frase do dia: "Não, não é por ti que, hoje, eu o repito e muito, mas muito, menos será a ti dedicado".



Ela partiu deixando três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel num gesto simples automático na casualidade das coisas simples ela deixou três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel ele recolheu-os junto à janela e à chuva que manchava as páginas das suas histórias rocambolescas de outro desamor falhado ela deixou três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel sobre a mesa perto do cinzeiro em que ele fumava mais outra perda da vida cómica os mesmos fins trágicos alheio a tudo alheio a nada ela deixou três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel sobre a mesa e partiu num gesto seguro de uma vida feliz e simples os dois tão estranhos ele digerindo a dor das histórias que falham adivinhando finais enganando-se nas linhas ela deixou três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel sobre a mesa sem saber que para ele seria apenas o poema para uma vida nova ela caminhou para fora do café esquecendo os três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel e quando ele a avisou ela disse são para ti.



RMM
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AINDA NÃO ME DEI AO TRABALHO DE ORDENAR ALFABETICAMENTE (AZAR!)