sexta-feira, julho 29, 2005

Frase. “Traz a faca e o garfo que eu trago o sal e a pimenta; hoje vamos devorar a lua”.

NOTAS AVULSAS

Depois do ensaio da banda interrompido a meio, o sentimento reciclado de ver que, dentro da lógica de uma cidade de passagem, é desta vez o meu amigo vocalista, Vítor Ferreira, a partir para outras paragens. Desliguei o baixo, cortando-lhe o som, mas o seu compasso ainda ecoa na minha cabeça.
É estranha a força de todo este ritmo estagnado, a sombra de vidas que se dispersam, que partem pela imposição de não se poder ficar, a sombra iluminada que esta contínua lógica nos impõe e nos mostra, a luz entenebrecida para a qual ela nos guia.

Saímos depois para fora, se é que alguma vez estivemos dentro, entre amigos e ex-amigos, numa espécie de paz podre, de vidas irreconciliáveis, de papéis assumidos, sentindo a estranha certeza das voltas que a vida tem de dar para que tudo fique, exactamente, igual ao que foi. Lembras-te como era?

As conversas de uma sociedade doente, medicada para além da cura, a psiquiatria, a neurologia, os projectos de acabar mestrados inacabados, as festas trance, as saídas combinadas para daqui a três semanas, um hipotético concerto em Setembro, uma voz feminina a dizer que quando for para Moçambique dará um salto até à África do Sul.

A dispersão, o envelhecer em cada gole de cerveja, em cada baforada de cigarro, entre anéis de fumo em dedos celibatários, o flirt mantido há mais de cinco anos com uma rapariga de cabelo preto.

Voltei, mais uma vez, da praia. Acordo bem cedo para ajudar um amigo.
O espelho não mente a não ser a si próprio.

Há uns dias voltei a dar formação, as mesmas cenas de assertividade, estratégia de gestão de conflitos, comunicação e relações interpessoais. A quem engano eu? Quase que não comunico e as relações interpessoais, principalmente neste ano, tiveram a tendência em se afunilar em duas ou três pessoas, no máximo.

Passo as mãos pelos lábios. Estão secos.

Passei o início da noite em conversa com o tipo do café da frente. Falou sobre o que era a sua vida em França, do seu amigo argelino, do ter casado pela igreja apesar de não a frequentar. De que falei eu?

Procurei nos cantos da memória as lembranças de uma pessoa que amei. Encontrei muito poucas.
Se ainda estiver aqui no fim do mês que se aproxima é porque alguma coisa falhou.

Nota- é Verão, o discurso ácido não pega.

Nota- a permanência dos cenários envelhece a história dos actores.

Nota- trocava anos de uma vida insonsa por 5 mnts de sal.
Nota- mas

Nota- não obstante o verbo negro

Nota- não paro

Nota- nem me rendo
Nota- antes do final do Verão.
Nota- e depois...

quarta-feira, julho 27, 2005

Frase sobre o número de balas disparadas, à queima-roupa, pela polícia britânica sobre um indivíduo brasileiro, imobilizado e prostrado no chão, «confundido» com um bombista suicida no metro de Londres: “Ora bem, foram sete na cabeça… mais uma no ombro… isso dá…bem, é uma questão de se fazer as contas”.
POEMAS DA MINHA VIDINHA

ARGOS

Argos, o cão de Ulisses, por ti legado
enquanto no peito me punhas ventosas,
nenhum amarei mais porque era cego
e vislumbrou sob os andrajos,
sucumbiu, purulento, de alegria
e ligado estava a Ulisses
por imemorial placenta,
que nem a vida cessa nem a morte sepulta.

António Osório, Bestiário

(dedicado ao Marco Alexandre Rebelo, velho companheiro de outras noites de néon, autor do livro Nietzsche, Pessoa, Borges: por trás das máscaras (in)voluntárias do acaso, & etc, 2004, o qual, vivamente, porque morbidamente não é opção, aconselho)

terça-feira, julho 26, 2005

Frase da minha amiga Cláudia (MP): “O teu lado romântico sempre foi o fantasma do teu lado cínico”.
POEMAS DA MINHA VIDINHA

ANJO SEM SORTE 2

Entre cidade e cidade
Depois do muro o abismo
Vento nos ombros a mão
Estrangeira na carne solitária
O anjo ainda o ouço
Mas já não tem rosto a não ser
O teu que não conheço

Heiner Müller, o anjo do desespero

domingo, julho 24, 2005

Frase de um domingo de Verão em Coimbra: "!"
POEMAS DA MINHA VIDINHA
O MARQUÊS DE SADE VOLTOU AO INTERIOR DO VULCÃO

O marquês de Sade voltou ao interior do vulcão em erupção
De onde veio
As belas mãos ainda rendadas
Os olhos de menina
E essa razão à flor de salve-se quem puder
Tão dele
Mas do salão fosforescente alumiado a vísceras
Jamais deixou de lançar as ordens misteriosas
Que abrem brechas na noite moral
Fendas por onde vejo
As grandes sombras estilhaçadas a velha crosta minada
Dissolver-se
Para que possa amar-te
Como o primeiro homem amou a primeira mulher
Em liberdade plena
A liberdade
Pela qual o fogo se fez homem
E o marquês de Sade desafiou os séculos das suas
Grandes árvores abstractas
De acrobatas trágicos
Apanhados nas teias do desejo

André Breton

sábado, julho 23, 2005

Frase: "Não sabes mesmo o que o tigre quer quando salta?"


POEMAS DA MINHA VIDINHA
Quem é o teu inimigo?
O que tem fome e te rouba
O último pedaço de pão chama-lo teu inimigo
Mas não saltas ao pescoço
Do teu ladrão que nunca teve fome.
Bertolt Brecht

sexta-feira, julho 22, 2005

Frase: "Estou à tua espera".
POSTULADOS E MODUS OPERANDI (ou a batalha pela sobrevivência de qualquer coisa que nem se sabe se está viva). (reed.)

Somos sempre maus consoante a perspectiva pela qual os olhos dos outros nos olham.

As pessoas procuram sempre a normalização seguindo padrões sociais normativos; lidam muito mal com correlações não lineares (em que não existe uma relação facilmente observável entre a causa e o efeito da mesma), neste caso tudo o que não se aproxima da média, por elas definida, é posto de parte e marginalizado.

Todos os sistemas que não sobrevivem à margem do caos caminham para o seu esgotamento lógico.

A tua sobrevivência passou a depender sempre da anulação do Outro.

Quando tu te anulas a ti próprio é porque sentes que perdeste a batalha pelo espaço vital.

Quem define as regras é quem tem a capacidade de se multiplicar em dimensões o mais abrangentes possíveis.

Atira primeiro à cabeça da pessoa mais próxima do líder. Se acertares, atira à última palavra da frase que persegue esta frase; a última palavra é também o líder.

Depois de o fazeres, incendeia o teatro de marionetas.

Depois de o fazeres, vai viver e ser feliz num país do terceiro-mundo.

A Caixa de Pandora esteve sempre aberta.
POEMAS DA MINHA VIDINHA
Sabes mais do que eu

Mas nós, tal como outras prostitutas de mau humor
Discutimos os passos que demos no passado
Para ti o que foi feito está enterrado

Sabes mais do que eu

Em vez disso, lemos as notícias da manhã
Na cama-que vazio sem fim nos espera
E nada mais há para se dizer

Sabes mais do que eu

Os cegos são capazes de ver mas resguardam-se no despojamento
De todo o compromisso e cobiça
E nada mais é preciso para se viver

Sabes mais do que eu

Ninguém escuta estas palavras
Ninguém acredita neste trilho
Mas sei ser este o único caminho para mim

Sabes mais do que eu

Que conversa fiada, velho amigo, enche a distância que nos separa
Que montamos como uma armadilha para nós, os ratos
E nada mais há para se dar caça

Sabes mais do que eu

Enterra-me bem fundo entre as ervas daninhas
Que se instilam no coração de todos os fracos
E nada mais há de tão fraco

Sabes mais do que eu
Sabes mais do que eu
Sabes mais do que eu


Jonh Cale

quarta-feira, julho 20, 2005

Frase a olhar pela janela: “Já há uns dias que te sinto a observar-me no quarto, o teu prédio é mais alto do que o meu, não vejo os teus olhos, não sei se és homem ou mulher, não me importa, mas, mesmo que não me ouças… olha para mim, lê os meus lábios: não indagues sobre o porquê das horas que passam, acerta o relógio com o coração das horas mortas”.
Velho poema no café

Trágico e cómico
Ris
Uma do teu lado esquerdo a outra
Do teu lado direito
“a virtude, de certeza, que só está no meio
das pernas”
Uma a que mais amaste a outra
A que mais desejaste
Ris
Sopras o fumo da eterna dúvida:
Qual das duas vais matar primeiro?

(Dedicado ao Xano, ao Freire e ao J.J., antigos amigos de um tempo em que éramos novos e puros.)
“Não sei quem atirou a primeira pedra, apenas olho pela janela partida”.

Ricardo Mendonça Marques

terça-feira, julho 19, 2005

Frase: “Esquece o essencial, concentra-te na essência”.

NOTAS AVULSAS

Estive há uns dias na praia da velha cidade povoada dos meus fantasmas, mas nem a certeza do espelho redondo do quarto sem luz me conseguiu mentir que, aqueles, ainda eram os meus olhos. A partida da minha velha amiga, do meu coração reciclado, apenas me trouxe a lembrança antecipada do amanhã onde estou sozinho. Demasiadas as sombras no tecto, apenas um momento a mais…Não vale a pena tapar o sol com os óculos escuros, o amor não se vê numa fotografia velha de um tempo esquecido, tem de ser o próprio sol… de frente e sem filtros.

Telefonei ao meu amigo marroquino, estudante de doutoramento, em Portugal há quase uma década. De um momento para o outro, o SEF começou a colocar-lhe entraves para revalidar o visto de permanência. Queria ir a Marrocos visitar a família, mas, aparentemente, não vai ser possível. Arrisca-se a não poder voltar. Um pequeno (?!) drama humano de um momento para o outro, investigado por meios indirectos em nome da, não assumida, protecção do Estado português com a sede em Washington. Antes, quando lá ia, contava que era bem recebido, trocavam apertos de mão, sorrisos, uma relação de necessidade de anos, mas hoje…se pudessem, eram capazes de lhe cuspir na cara.

Já não tenho a capacidade de me reinventar como antes e é pena. “Não consigo mentir mais”. Percorro os becos da cidade sem luz e sem sombras quando me deparo com o espectáculo da beleza da sua imagem reflectida no rio. Falo demasiado que me vou embora daqui, mas tudo aquilo que tenho visto é a partida daqueles que não falam. E partem de má vontade. Isso dá-me a volta à cabeça.

Percorro as ruelas da cidade, o seu esqueleto, becos de sujidade que os postais não mostram, que os estudantes não cantam, que quem não cresceu aqui não conhece, lixo amontoado por cima das flores, ou flores que crescem sobre o lixo… achas que não é a mesma coisa?!
Percorri, há uns dias, a eterna ilha que é Lisboa de táxi, o motorista só murmurava “a culpa é dos comunas…”, insultava tudo e todos, só queria descer, mas ele levou-me, mais uma vez, de volta. De volta a quê?!
Tinha tido, umas horas antes, uma entrevista para uma ONG. Saí com a sensação que eles mereciam alguém mais responsável já que, quando me deparei com a rua, fui estoirar dinheiro em centros comerciais, sem me preocupar que todos eles tenham sido construídos sobre lixeiras.

Nota- o que, ainda, procuras em mim enterrei na praia.

Nota- os fantasmas só resistem porque construímos as casas para eles habitarem.

Nota- estou a gastar tinta a mais, devia poupar na gasolina.

Nota- agora, mais uma vez, entendo o que uma colega minha disse ao expressar a sua opinião sobre “terrorismo”- na dúvida há que disparar.

Nota- estou à espera da bala.

Nota- da tua.

Nota- na cabeça.

quarta-feira, julho 13, 2005

Frase de frente para os edifícios: “Caiam!”

NOTAS AVULSAS

Ontem, depois de “corrido” da embaixada cabo-verdiana, indo parar, sucessivamente, à Avenida da Liberdade, tendo de voltar atrás à procura da Universidade Internacional, perguntando às cegas e salvo por uma jovem moça solidária, reencontrei o meu eterno orientador de mestrado e saímos de ao pé do Jardim Zoológico e fomos parar a um centro de detenção de menores. Percorremos a Crel, entre batidas de “encostas”, para vermos um grupo de suecos numa demonstração de capoeira com os jovens cabo-verdianos reclusos, pouco antes de estarmos trancados numa sala com uma das coordenadoras do centro, uma professora romena e uma jovem assistente. Esperámos que chamassem o jovem romeno cigano de 13 anos, detido por furtos vários e etc. tal, para que lhe traduzissem nas palavras tudo aquilo que já estava bem escrito nos gestos.
No fim das histórias intermináveis, de um BÊ-Á-BÁ mais do que sabido, percorri a mesma Avenida da Liberdade (?!) preso ao objectivo de encontrar uma ONG entre tantas e tantas casas.
Às tantas cansei-me e fui matar o vício na boca do diabo atirando-me nos lençóis do meu inferno privado.
Regressei ao porto de eterno embarque com as palavras de um taxista de Góis que me fez ver que, a exemplo de muitas pessoas, também há rios que correm para o norte. Eu disse-lhe que já por lá estivera, em trabalho, algures metido nas águas com um breve amor (!?) sem significado, mas que, tal como o rio, as águas passam, as águas passam. Ele riu-se e perguntou como é que eu estaria com a idade dele. Eu ri-me, brincando, e disse-lhe: rijo! Ele riu-se, continuou falando da luta das pessoas para conquistarem a terra aos montes num velho orgulho beirão, resistente ao trânsito da capital, preso ao desejo de voltar mas sem ser prisioneiro de mais ninguém além da mulher a quem aflige a ideia.
Regressei desmaiando de sono, preferindo Nietzsche às barbaridades dos jornais e ao fim da esperança europeia, perdida em páginas e páginas de letras apagadas, ou ao estado da nação, perda de esperança, nas suas doses regurgitadas de irracionalidade diária.
Nota- todas as pessoas gostam de crianças porque elas são inocentes e o mundo é que é mau, muito mau, e não há volta a dar-lhe.

Nota- a assistente portuguesa da professora romena é das mulheres mais bonitas que alguma vez vi em vida (?!) e a beleza pode ferir de tal forma que, muitas vezes, torna-se difícil encará-la de frente nos olhos.

Nota- a fertilidade da vida pode tornar-se tão danosa quanto o seu lado estéril.

Nota- amanhã volto aí e, se puder e se tu, também, puderes, dou-te um toque para um café.
Nota- preciso de cafeína.
Nota- preciso de ti.
Nota- sem açúcar.

segunda-feira, julho 11, 2005

Frase: “Por mais que não entendas… o mal que te persegue está há muito, mas muito, tempo a fugir de ti”.



Outra vez a mesma sombra dança junto ao espelho do sonhador as crianças mortas renascem nos teus dedos que acordam o sopro sonho livre canto de um pássaro que sangra a dança do despertar e do ser eu sou apenas o reflexo do outro que vês e que não entendes.
Explode.

RMM


sexta-feira, julho 08, 2005

Frase para a noite que se aproxima: "Preferes mesmo preparar as facas a ajeitar os lençóis?!"
O DIÁLOGO QUE SE SEGUE É DA i RESPONSABILIDADE DAQUELES QUE FALHAM A FELICIDADE DAS COISAS SIMPLES PORQUE SE JULGAM COMPLICADOS, e foi gravado em segredo naquele dia em que estávamos bêbedos como um cacho de uvas (no caso do cacho, num acto de canibalismo masoquista, se beber a si próprio). (reed.)

- Como é que te sentes?
- Muito mal, agarrado a um conjunto de situações vagas e indefinidas que me parecem escapar.
- Sim, nesse sentido eu compreendo muito bem. Creio que é também o meu desregramento nervoso que está a contribuir para a queda de cabelo, sinto o corpo todo em ferida e a escamar-se, as virilhas, as axilas, a própria face está áspera como lixa...
- E então, a aproximação da N?
- Não sei, pode ser que sim ou pode ser que não, mesmo que não seja nada. Talvez queira apenas dançar com o Diabo. Porque pensa que o Diabo sou eu.
- De resto, eu, perco grande parte do meu tempo em mails, sms, as coisas arrastam-se nesse prisma algo inconsequente, construindo dilemas e becos sem saída. As cenas esgotam-se na apatia, a compra da navalha não trouxe o abanão social que eu imaginava...
- Sim, eu sei. Outro dia falhado. Depois... outra conversa de merda em cima de outra noite de merda.
- Temos de evitar cutucar as feridas da maneira que o andamos a fazer.
- Acordo a pensar no mesmo, deito-me a pensar no mesmo. Parece que não há descanso!!
- Perdi, no meio do lixo de papel do meu quarto, a minha agenda telefónica. Tinha uma certa vontade de falar com o meu psiquiatra.
LETRAS DE UMA SÓ PALAVRA

Não vos inquieteis, pois, com o dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal”.

Novo Testamento, Mateus, 7

quarta-feira, julho 06, 2005

Frase para um velho início: “Para quando um novo fim que valha a pena?”


Velhos válidos inválidos novos não escreverei mais nada depois do que nunca hei-de escrever mais nada se cada poema apenas respira as palavras do adeus na despedida do até logo à minha cidade: nunca soubeste ser mãe eu nunca soube ser filho do teu ventre roído de pai anónimo incógnito inexistente o brilho sobre a fachada dos prédios novos sob as sombras de quem não tem mais nada a perder a inutilidade inútil de tudo isto mascarada de utilidade útil aos velhos válidos e aos inválidos novos esperam o canto de um autor que não existe aqui por mais que tu queiras não escaparás impune aos demónios que saltam da tua cabeça agora que a gaveta está cheia dos mesmos anjos iguais e falsos despidos dos homens todos que se mataram nas tuas mãos esperas o rasgo adiado do grito preso na garganta mas este é o espaço vazio e não sentirás as forças de um braço no teu corpo sem corpo em memória dos velhos válidos inválidos novos não consegues fugir à frustração de não ter para onde fugir se é sempre verdade que é no fim que o rouxinol canta mais alto aos velhos válidos inválidos novos é madrugada e tu escreves na madrugada como quem sela as cartas do adeus para o dia seguinte num eterno e adiado até logo.

RMM






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AINDA NÃO ME DEI AO TRABALHO DE ORDENAR ALFABETICAMENTE (AZAR!)