terça-feira, agosto 30, 2005

Frase:"Agora encaras o que não tem rosto”.

LETRAS DE UMA SÓ PALAVRA

“Para quê querer incendiar os astros se, dentro de nós, ainda não acendemos todas as luzes?”

Rui Knopfli, mangas verdes com sal

segunda-feira, agosto 29, 2005

Frase enquanto caminhávamos para o mar:”Não sei se essa única lágrima tornou o oceano muito mais salgado; mas sinto que foi ela que inundou a praia”.

POEMAS DA MINHA VIDINHA

«Cântico Negro»

Cago na juventude e na contestação
e também me cago em Jean-Luc Godard.
Minha alma é um gabinete secreto
e murado à prova de som
e de Mao-Tsé-Tung. Pelas paredes
nem uma só gravura de Lichtenstein
ou Warhol. Nas prateleiras
entre livros bafientos e descoloridos
não encontrareis decerto os nomes
de Marcuse e Cohn-Bendit. Nebulosos
volumes de qualquer filósofo
maldito, vários poetas graves
e solenes, recrutados entre chineses
do período T´ang, isabelinos,
arcaicos, renascentistas, protonotários
- esses abundam. De pop apenas
o saltar da rolha na garrafa
de verdasco. Porque eu teimo,
recuso e não alinho. Sou só.
Não parcialmente, mas rigorosamente
só, anomalia desértica em plena leiva.
Não entro na forma, não acerto o passo,
não submeto a dureza agreste do que escrevo
ao sabor da maioria. Prefiro as minorias.
De alguns. De poucos. De um só se necessário
for. Tenho esperança porém; um dia
compreendereis o significado profundo da minha
originalidade: I am really the Underground.

Rui Knopfli, o passo trocado

terça-feira, agosto 23, 2005

Frase:”Ao teu viver como se não existisse amanhã prefiro mesmo viver como se já fosse amanhã”.

NOTAS AVULSAS

Há sensivelmente 27 horas atrás, depois de umas quantas de voltas endiabradas pela Praça da República vazia, parei para tirar do meio da estrada um pequeno gato preto que ali se aninhara com medo. Mal me aproximei desatou a correr, mas pelo menos fugiu (não sei por quantas vidas de gato mais) a um atropelamento automobilístico debaixo das luzes de uma cidade apagada.
Por que é que algo nas suas patas, ou no seu correr, me lembrou o outro? O outro que eu e os meus formandos da altura, há uns 5 anos atrás, tirámos de dentro daquela loja abandonada do centro comercial em Leiria? Arrombámos a porta, entrei para o resgatar, mas por manifesta falta de jeito quando o segurei… as suas unhas cortaram-me as mãos como uma navalha. Felizmente arranjou um dono, um dos formandos que o perfilhou dizendo “é preto, vai-me dar sorte”, antes de vir a morrer uns dois anos depois atropelado algures, já não tão incógnito, mas igualmente desaparecido, reduzido ou elevado a uma memória de um tempo distante, mas tão eternamente presente. Tão igual a uma cicatriz que não desaparece.

Pensava eu no gato quando cheguei a casa e vi o clarão vermelho do fogo em Vale de Canas. Telefonei aos bombeiros já informados do sucedido, enquanto afastava do rosto uma cinza ardente que o vento forte trouxera às sombras dos meus olhos. Sob este sinal o inevitável era uma questão de minutos.
Saiu o primeiro vizinho, ligámos a mangueira e começámos a molhar as árvores e a vegetação rasteira em volta dos prédios. Começaram a surgir mais pessoas, nessa altura já se viam as chamas (e neste preciso momento ouvem-se as sirenes) do outro lado da circular. Corri a tocar às campainhas dos prédios, corri para casa em busca dos baldes, comecei a despejá-los do meu 5º andar para cima das copas das árvores. Estupidamente não encontrei a mangueira em lado algum. Tentei improvisar uma “mutilando” o aspirador, mas só serviu para ter de ir passar a usar a vassoura nos próximos dias.
O fogo, atiçado pelo vento, galgou a circular e espalhou-se a 5 metros do meu prédio. Atingiu a rua, incendiou o carro de uma rapariga que só gritava em pânico. Ainda queria ir ao carro, banhado pelas labaredas, mas as pessoas seguraram-na. Pude vê-lo mais tarde, estava reduzido a uma chapa metálica. Depois, em menos de 2 minutos, o fogo reduziu a uma pasta de plástico alguns dos contentores de lixo. Nessa altura já os vizinhos da rua tinham aberto as torneiras das garagens e tentavam apagar o fogo que se colava à estrada. Ouvia-se o crepitar das folhas, uma ou outra árvore cedia. Eu e mais umas quantas de pessoas estivemos mais de 3 horas a entrar na mata e a deitar baldes de água por cima das labaredas.
Estranhamente, não apareceu sequer um polícia para bloquear a rua. Pelo contrário, o trânsito era cada vez maior e todos os mirones resolveram passar a madrugada em claro. Como seria de esperar parece que as pessoas preferem “espreitar” a tentar colaborar um pouco. Já que não vêm para ajudar, ao menos que não atrapalhem. Foi uma noite a meter água num Agosto de meter fogo. Quando me deitei, encharcado e a cheirar a fumo, sonhei com chamas durante as duas horas em que os meus olhos se remeteram à clausura. Quando me levantei senti o cheiro de uma manhã em cinzas.

Nota – Ainda ontem, depois de uma tarde perdida no centro comercial Dolce Vita, estranhara a cor do céu, mas não consegui deixar de a achar bonita. Mais tarde quando as labaredas estavam diante dos meus olhos e segurávamos as mangueiras ouvi a voz do meu vizinho médico dizer: “agora é que vem a parte pior, é uma autêntica tocha”. As labaredas elevaram-se diante dos meus olhos transformando a realidade num clarão vermelho mas, não obstante o desespero e o drama humano, não consegui evitar o milésimo de segundo em que o meu pensamento se viu confrontado com algo belo... apesar de mórbido.

Nota – A maior parte das pessoas ainda se recordava do grande incêndio de há 10 anos atrás, mas nessa altura estava eu no Algarve e só o vira pela televisão.

Nota – Nestas alturas revê-se uma quantidade de vizinhos com quem durante meses e anos quase que não se tem contacto. Reencontrei um velho amigo de infância e posterior companheiro de charros no início da universidade. Convidou-me para ir ver a filha pequena nascida há uns poucos de meses. Noutros anos considerava-o um hiperactivo, mas hoje é apenas um workaholic (é assim que se escreve?)

Nota – Apesar de o fogo ter atingido as ruas da cidade de Coimbra, os meios de comunicação preferem “reduzir” o sucedido a "periferias"; como se quisessem considerar como sendo rurais, ou industriais, zonas habitacionais cheias de prédios.

Nota – Fiquei pasmo quando vi que alguns vizinhos preferiram estar a filmar o espectáculo, passeando-se de câmara como autênticos Tarantinos da parvónia, em vez de deitarem mão a um balde. De todas as formas não me choca, ou esta não fosse uma cidade recheada de cromos pedantes metidos a intelectuais (tudo bem, eu sei que de vez em quando também me armo num), mas, indubitavelmente, toda a situação meteu-me nojo.

Nota – Não sei se as pessoas, realmente, só se preocupam quando o que está em causa é o seu espaço pessoal. Gostaria de acreditar que não, mas tirando alguns exemplos esporádicos…

Nota – Provavelmente depois virá o Outono do esquecimento.

Nota – Onde por mais as folhas caiam irão parecer sempre como insuficientes.

Nota – Se ainda houver folhas para cair.

domingo, agosto 21, 2005

Frase:”Pensas ser um labirinto, mas são palavras cruzadas”.

Demasiado cheio o copo para que não se entorne sobre a tua folha manchando as palavras mal ditas dos poetas quando a única coisa que faltou nem foi sermos homem e mulher apenas humanos um para o outro foges da carne do animal está fria no prato no guardanapo rascunhas os versos incompletos para um mundo mais perfeito tens medo aproximas-te da janela ocultando o receio que a sombra se esgueire para dentro mas neste mundo que morre não seremos homem e mulher se nunca soubemos ser humanos um para o outro passeio de carro pela periferia incompleta num cenário repetido sem guião e sem ponto final acredito vendo os pássaros que voam demasiado longe do fumo do cigarro que morre entre os dedos que a certeza nascerá em forma de cancro sanguíneo flor de luto enlutada nestes dedos recolhendo na maré das ausências a luz minha sombra acredita que nenhum abismo será mais profundo do que a campa aberta na terra junto aos vermes por cima das portadas dos mortos mas se é pela vida que acelero pois então só ela me matará minha luz não faltou sermos homem e mulher apenas humanos um para o outro.

RMM

quinta-feira, agosto 18, 2005

Frase:”Se não queres mesmo olhar para trás… não coloques o espelho à frente”.


POEMAS DA MINHA VIDINHA


ERA BELO QUANDO SE SENTAVA SÓ

Era belo quando se sentava só, era como eu, tinha as abas largas, segurava a caneca com os dedos crispados, mas mesmo assim os seus dedos eram longos e belos, não gostava de estar sempre sentado, embora desta vez, posso jurá-lo, lhe fosse indiferente.

Dir-lhes-ei por que gosto de me sentar só, porque sou um sádico, porque só os sádicos gostam de se sentar sós.

Estava sentado só, porque estava sumptuosamente vestido para aquela ocasião e porque não era um civil.

Acreditam que somos sádicos e que não têm que se preocupar connosco, e nós não temos opinião formada acerca de se têm ou não de se preocupar connosco, nem nos agrada pensar nisso porque o assunto nos confunde.

É possível que ele já não signifique nada para mim, mas continuo a acreditar que era como eu.

Não estavas à espera de te apaixonares, perguntei-me a mim mesmo, e ao mesmo tempo respondi com ternura: Acreditas que sim?

Ouvi-te cantarolando maravilhosamente a tua canção, dizia que eu não te posso ignorar, que por fim eu tinha aparecido por uma série de deliciosas razões, que apenas tu conhecias, e aqui estou eu Miss Blood.

E tu não voltarás, não voltarás aqui onde me deixaste, e é por isso que guardas o meu número de telefone, mas não o marques por engano quando estiveres a brincar com o telefone.

Começaste a fastidiar-nos com a tua dor e decidimos mudá-la.

Disseste que eras mais feliz quando dançavas, disseste que eras mais feliz quando dançavas comigo, a quem te referias?

Então mudamos a sua dor, brindamo-la com a ideia de um corpo e contamos-lhe uma piada, e ele então pôs-se a meditar profundamente sobre o riso e sobre a chave do mistério.

E ele pensava que ela acreditava que ele pensava que ela acreditava que a pior coisa que uma mulher pode fazer é afastar um homem do seu trabalho, porque isso em que é que o converte, em algo belo ou feio?

Agora penetraste na secção matemática da tua alma, que aclamavas não ter possuído nunca. Suponho que isso mais o destroçado coração te convencerá que tens perfeito direito de ires domesticar os sádicos.

Ele sabia o último verso de cada estrofe da canção, mas ignorava os outros versos, o último verso era sempre o mesmo: Não te digas a ti mesmo um segredo a não ser que estejas disposto a guardá-lo.

Ele pensou que sabia ou que actualmente sabia mais de canto para se tornar um cantor; e se com efeito existe tal ofício, haverá alguém que o exerça e será dele que nascem os sádicos?

Não é um ponto de interrogação, nem de exclamação, é o ponto final de um homem que escreveu “Os parasitas do céu”.

Mesmo que expuséssemos o nosso caso com toda a claridade e todos os que pensam como nós, todos eles se pusessem a nosso lado, mesmo assim seríamos ainda muito poucos.


Leonard Cohen

sexta-feira, agosto 12, 2005

Frase para o que já não interessa: “ A recta pela qual partiste era o círculo pelo qual voltaste”.

POEMAS DA MINHA VIDINHA

(retalhos das palavras de um mestre)


“Chegada ao fim da rua, voltou-se lentamente, de modo a impedir-me a passagem. Não tive tempo de me esquivar e achei-me cara a cara com ela. Tinha os olhos inchados e vermelhos. Era fácil ver que me queria falar e que não sabia como consegui-lo. Tornou-se de repente pálida como um cadáver e perguntou-me: «Podia fazer o favor de me dizer as horas?». Disse-lhe que não usava relógio e afastei-me rapidamente. Desde esse dia, ó criança de imaginação inquieta e precoce, nunca mais voltaste a ver na rua estreita aquele jovem misterioso que pisava penosamente com pesadas sandálias o chão dos tortuosos cruzamentos. Não tornará a luzir a aparição deste cometa em chamas, como um triste motivo de fanática curiosidade, sobre a fachada da tua imaginação iludida; e pensarás muitas vezes, demasiadas vezes, e talvez sempre, naquele que não parecia inquietar-se nem com os males nem com os bens da vida presente, e ia andando ao acaso, com um rosto horrivelmente morto, de cabelo eriçado, passo vacilante e braços nadando cegamente nas águas irónicas do éter, como que procurar nelas a presa ensanguentada da esperança, constantemente sacudida através das imensas regiões do espaço pelo implacável limpa-neve da fatalidade. Não me tornarás a ver e eu não te verei mais!... Quem sabe?”

Lautréamont, Cantos de Maldoror (canto segundo)

quinta-feira, agosto 11, 2005

Frase do Verão: ”Por que é que trazes a bóia se dizes já saber nadar?!”

POEMAS DA MINHA VIDINHA

PLENO DE VIDA AGORA

Pleno de vida agora, concreto, visível,
Eu, aos quarenta anos de idade e aos oitenta e três dos Estados Unidos,
A ti que viverás dentro de um século ou vários séculos mais,
A ti, que ainda não nasceste, me dirijo, procurando-te.

Quando leres isto, eu que era visível, serei invisível,
Agora és tu, concreto, visível, aquele que me lê, aquele que me procura,
Imagino como serias feliz se eu estivesse a teu lado e fosse teu companheiro,
Sê tão feliz como se eu estivesse contigo. (Não penses que não estou agora junto a ti).

Walt Whitman, cálamo

segunda-feira, agosto 08, 2005

Frase: “Por muito que ainda ardas já não és o sol que eu quero”.

POEMAS DA MINHA VIDINHA

A MORTE DOS AMANTES

Teremos camas com os mais leves cheiros
E profundos divans, quais mausoléus,
Além de estranhas flores nas prateleiras,
Pra nós abertas em mais belos céus.

À porfia gastando os ardores últimos,
Os nossos corações, quais labaredas,
Reflectirão as suas chamas duplas
Nas nossas almas, dois espelhos gémeos.

Numa noite de rosa e de azul místico
Um só relâmpago iremos trocar,
Como o soluço de um adeus sem fim;

E um Anjo, mais tarde, abrindo as portas,
Alegre e fiel, virá reanimar
Os baços espelhos e as chamas mortas.


Charles Baudelaire, as flores do mal

sábado, agosto 06, 2005

Frase de um SPAM que me foi parar ao mail: “Os miseráveis não têm outro Remédio a não ser a esperança”.

POEMAS DA MINHA VIDINHA
LENDO-TE
(para Hugh Seidman)



É como se
o meu pai pudesse falar

Seu enorme corpo
silente e maciço
e sob a pele branca e fria
a merda sólida
a aversão

Homem, macho, seu caralho que eu amei
sobre todos os outros, sobre a bondade, tão sobre
o prazer amei seu ódio, a frieza,
a indiferença, o negrume sólido

A cabeça voltada para outro lado
Os olhos voltados para outro lado
O peito, as mamas, o fato de banho- metade
de mim, metade meu! Nunca meu, nada,
não sei qual de nós quero
eu matar por isso mas quero algum
sangue espesso
algum carvão no corpo algum
fogo esse copo ardente de bourbon
caralho prometido e nunca dado
pelo qual eu era capaz de me esfolar

Agora quebrando seu silêncio, vejo como te
extravasas sobre as palavras
extravasas sobre o fim dos versos
para te suspenderes no espaço negro isolado
só e humilhado, ali gingando como uma
estrela, um herói
Eis-me aqui fora contigo
agora contra o farrapo do silêncio
quebrado

Sharon Olds, satanás diz

quarta-feira, agosto 03, 2005

Frase sobre a minha tontura:"Por que raios me fui meter nos copos antes de jantar!!??"



POEMAS DA MINHA VIDINHA


QUANDO FORES VELHA


Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as tuas sombras profundas;

Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;

Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.


W.B. Yeats, a rosa

(dedicado ao perdido amor de amanhã; já que dos outros há muito que os versos se esgotaram)

segunda-feira, agosto 01, 2005

Frase: "Não tranques, esfomeados, os leões na mesma jaula".
POEMAS DA MINHA VIDINHA
VIDRO BAÇO
Foi ainda antes de adquirir o vício das palavras
Nesses tempos, por detrás desta janela grande e velha
Era o meu pai quem fumava e me via a brincar
Estava já condenado, o seu olhar incompatível com a infância
Entretanto muita coisa mudou, apenas o sítio permanece
Sou eu quem fuma perdido junto ao vidro embaciado
A rua como única certeza, observo os estranhos que a percorrem
Paulo Barbosa, o centauro
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AINDA NÃO ME DEI AO TRABALHO DE ORDENAR ALFABETICAMENTE (AZAR!)