sexta-feira, outubro 08, 2004


Frase do dia: “Vestindo o cadáver da juventude no armário”.


“Sempre que olho para um homem imagino sempre o seu cadáver. Fartei-me de olhar para ele. Matei-o.
Estou deveras cansado, passeio pela sala de cigarro aceso, alheio a todos os universos desfeitos de uma qualquer coisa a que se queira apelidar de vida. Mas, a verdade, é que a vida é assim mesmo: um simples passear pela sala na penumbra, porque as luzes acesas só servem para acentuar as sombras e eu apenas sinto que sou, ou que me tornei, numa única sombra imensa. Quem sou eu? Porquê, com 30 anos, a necessidade de formular essa pergunta? Uma pergunta que, talvez, eu sinta que não é de agora, que talvez já se tivesse enterrado de vez sob os escombros da perda e da falta de esperança... nulidade, sociedade, caos, cosmos aos pulos para se negar outra vez, o mundo lá fora e etc. e tal, tudo isso... nada existe. Mas o que é o mundo lá fora? Nada, nada que eu possa definir, algo a que possa chamar com o nome de todos os bois. Não consigo imaginar nada que eu não possa destruir depois. Nada que existe, existe na realidade. Não existe o ser, apenas o sendo. Da mesma forma também nunca se é nada, nada, apenas se vai sendo. E lá estou eu a cair no existencialismo das 4 da manhã quando dentro de pouco mais de 4 horas vou fingir que trabalho.
Estou cansado. Tal como me cansei de o olhar. E era ele ou ele. Por isso matei-o.
Espero que não apodreça tão cedo, embora, tenha uma vontade muito grande de o ver apodrecer, de ver cada centímetro e centímetro da sua pele a decompor-se, a deteriorar-se, a caminhar para o fim total. O mesmo fim total que não existe. Porque a mesma morte, em si, não existe, não existe o eu morro, apenas o eu vou morrendo. E foi por isso que eu o matei. Foi por isso que, agora e neste momento em que a solidão é uma lágrima amarga numa almofada, que eu, sim, talvez, não me sinta tão e apenas só. Era ele ou ele. Por enquanto, enquanto não começa a apodrecer e o cheiro pestilento não me começa a subir às narinas, está debaixo da minha cama, debaixo de mim, vai ser o seu lugar, sem eu saber até quando, porque ainda não pensei num sítio onde o enterrar, não interessa... neste momento não consigo pensar nisso.... talvez amanhã...
Sempre que olho para um homem imagino sempre o seu cadáver...
Cansei-me de olhar para ele...
Matei-o...
Era ele ou ele...”
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AINDA NÃO ME DEI AO TRABALHO DE ORDENAR ALFABETICAMENTE (AZAR!)