terça-feira, outubro 12, 2004

Frase do dia: “Antes estranhavas a sombra, agora estranhas o silêncio”.


“Estou todo suado. A coordenadora está a olhar para mim e eu estou todo suado à frente do computador. Não, não é devido ao calor que eu transpiro, que eu sinto que se está a formar uma poça aos meus pés. É ela. São os seus olhos sobre mim. É ela que me faz suar, raios a partam. Não tens mais nada para fazer?!!
- Vem cá!- ela chama-me.
- Sim.- respondo como num murmúrio
Adentro o escritório. Decoração moderna, um certo ar de luxo excessivo lixo plantado nas minhas retinas enevoadas pelo suor que me escorre cabeça abaixo.
Ela começa a falar do projecto.
- A avaliação está para breve. Como é que vão os trabalhos finais.
Eu rio por dentro. Quais trabalhos? De que é que tu falas minha linda? Achas que alguém aqui dentro trabalha nalguma coisa? A começar por ti.
- Vão bem. A sala para a formação já está criada, só falta receber o aval das entidades que a vão ministrar. Foi um bom avanço. Com isso somos capazes de conseguir abranger uns seis ou sete agregados familiares. Aquelas pessoas que nós definimos que se enquadram no perfil de famílias disfuncionais. Tendo traçado as problemáticas, com base no tratamento estatístico do questionário social, tornou-se bastante mais fácil.
Ela olha para mim com atenção, mas duvido que perceba um terço do que estou a falar. Se o perceber bato-lhe as palmas, porque nem eu próprio sei. Mero vocabulário para a embalar, para nos embalar, palavras chaves, discurso teórico, tentar mostrar que existe realmente uma dinâmica dentro deste pântano. Tanto aqui, como lá fora.
E de resto é apenas isto. Um Centro Social miserável a funcionar dentro de um bairro social camarário. Duas assistentes sociais, dois psicólogos, um animador e um sociólogo. Eu sou o sociólogo. Seja lá o que isso for. Ela é quem coordena. O que é falso. Aqui não existe qualquer ordem. Pelo menos para mim. Tal como tudo na vida, também se rege pela orquestra filarmónica do caos.
- Sim senhor. Depois vem falar comigo quando tudo estiver pronto.
Eu digo que sim e ela... “ou melhor, vem antes...”; e é aquele olhar. O mesmo que me faz as virilhas ficarem a arder, pois é nessa zona que eu mais sinto que os seus olhos passeiam. Não sei não sei não sei
Volto para o computador. Desligo o programa em que trabalhava. Ela já fez a sua visita diária à sala comum dos técnicos. Abro o Word e escrevo tecla a tecla, tecla a tecla, o caminho para me levar para longe e tão bem longe daqui”.



2 Comments:

Blogger Vostradong said...

Grande, Claus Min!
Muito boa prosa. Também me sinto assim todos os dias no bendito jornalismo...

2:33 da tarde  
Blogger amok_she said...

...passei...li!...cop&pastei...voltarei...beijo...

10:41 da manhã  

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