sexta-feira, janeiro 14, 2005


Frase do dia: “Preocupas-te se a pena cai, mas não se o pássaro voa”.

Carta a um amigo


Caro amigo, é óbvio que em breves segundos, minutos, horas, escreverei só para ti letra a letra, já que existe uma certa impossibilidade (circundada pelas falsas distâncias geográficas e físicas) de as palavras poderem ser as ditas e faladas e não apenas as escritas e lidas no momento em que nos encontrarmos olhos nos olhos. Faço-o, também, aqui porque sinto que preciso, para mim, de um certo esclarecimento.
Criei, ou deixei-me criar, este, neste ou por este, blog, devido a uma certa urgência em fugir a um certo simbolismo (e a isto sim, podes chamar romantismo) que parecia estar bastante presente, inerente e presenciado, nas palavras do outro (disakala). Mas, de facto e como tu sabes, eu não sou um revolucionário nem de ideias nem de actos, apenas porque (para mim) isso só poderia ser lido como uma certa hipocrisia que a todos os títulos rejeito e, mais uma vez, reitero: em mim. O próprio conceito revolucionário também me parece meio despropositado; existe um inimigo que é o poder dos que oprimem combatido, com maior ou menor consciência, por aqueles que são oprimidos por ele ou por aqueles que, mesmo não o sendo directamente, entendem que não existe mais nenhuma lógica para a sobrevivência social que não seja o combate. Podemos discutir as ramificações ou a visível invisibilidade desse mesmo poder, mas isso é uma questão para outra altura.
Grande parte das vezes sempre me senti no limiar das oscilações do trapézio, em maior ou menor grau; talvez a fobia social ou o ódio e o nojo a todo o partidarismo (quer de direita, quer de esquerda), nas suas labutas usurárias de cumplicidades várias nos parlamentos, nos serviços ou, simplesmente, nos cafés da neo-intelectualidade alternativa e pedante “tropicalista”, me tenham feito sentir que as próprias ideologias apenas carregam no seu âmago a mais profunda estagnação e marasmo, de vendas e palas nos olhos, negando à própria ordem histórica uma evolução e aprendizagem que seriam, mais do que tudo, essenciais. No entanto, nada disto significa que não me projecte em certas ideias, ou diremos antes arquétipos, marxistas ou situacionistas sem que com isso queira dizer que concorde em absoluto; já que tudo na vida está “repartido em partes” que, mesmo considerando a sua soma como uma operação válida, estão bem longe de constituírem o Todo (o humano, e mais nenhum outro).
No poema em causa a que te referes não está subjacente nenhuma crítica, a que nível for, ao marxismo ou àquilo a que se apelida, erradamente, de situacionismo. A crítica seria mais válida para o estrutural-funcionalismo, para o interaccionismo simbólico, ou para a própria visão de um mundo pós-modernista-a mais falhada e castradora de todas as visões e etc. e tal. Se essa crítica existe, sendo mais do que tudo um retrato, é à própria vida e à vivência deste mesmo que te escreve, coleccionando e debitando os versos negros num sentimento ácido ao seu próprio desespero e marasmo. É engraçado escrever isto porque, neste momento, estou bem longe de estar desiludido com a vida em mim ou com a vida nos outros. Sem com isto significar que se calou em mim o pequeno e pequeno grito de revolta. Mas é bom “ouvir a tua voz”, que eu sei que é a voz crítica.
Talvez a “arte” (em mim) seja apenas a expressão da dor. E essa dor está presente em mim, no meu mundo pessoal, naquilo que eu acredito ser o meu poema.
De todas as formas eu, agora, sei que não preciso de dor. Por isso acredito que um dia não precise e rejeite, de todas e de todas as formas, o poema.
Quanto ao existencialismo... como alguém me disse: ele encerra-se nas seis da tarde ou nas quatro da manhã. A nadificação sartreana tem um certo encanto, mas encerra-se no seu próprio umbigo. Mas também a visão de um mundo fora do absurdo ou do caos não me aquece nem me arrefece nem me parece que possa trazer as palavras que ficaram por dizer... amanhã.
Quanto a este blog, é como tudo na vida. Não é. Vai sendo. Não está construído. Vai-se construindo. Caos, cosmos, ordem, princípio e fim e recomeço. Ex nihilo, nihil.
De todas as formas, sabes que foi e é sempre bom ouvir-te.

Abraço!

Ricardo, o Claus Min
Tempo de um poema...

Não vês minha amada
como as crateras bocejam
enquanto explodem no cérebro
dos canários ideias geniais?
Cupidos ociosos varam os céus
cheios de insectos
e as crianças nos balcões
insultam o sol e as moscas.
O prodígio cresce silencioso
entre flores surdas e
fios eléctricos para mentir à distância.
Cresce na comissura dos lábios
das adolescentes;
Cresce no dorso de uma abóbora menina;
Cresce no dedo que te aponto ao coração.
Vai rebentar minha amada!
Pântanos inquinados recolherão os destroços:
anjos pândegos despenhados e
lábios de amantes como lâminas
ensanguentadas

que caem também
e mais...
Mas calo-me agora minha amada!

António Oliveira, Contra os Poetas & Outros Textos (uma obra lírica incompleta)

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

gostei deste post, pelo que diz e como o diz. não é novidade nenhuma para mim, que até gosto do existencialismo das 6 da tarde e das 4 da manhã.
beijo grande
c. (infotraffic)

5:43 da tarde  
Blogger amok_she said...

...eternamente, TU...

10:20 da tarde  
Blogger Luís F. Simões said...

Muito bom o texto do Oliveira. O tua "carta" está soberba, dentro de uma determinada perspectiva.

Abraço

3:55 da tarde  

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