sexta-feira, dezembro 24, 2004


Frase do dia: “Eu sei que são apenas doces de Natal, mas não acredito que os sonhos não possam levar fermento”.


ERA BELO QUANDO SE SENTAVA SÓ


Era belo quando se sentava só, era como eu, tinha as abas largas, segurava a caneca com os dedos crispados, mas mesmo assim os seus dedos eram longos e belos, não gostava de estar sempre sentado, embora desta vez, posso jurá-lo, lhe fosse indiferente.

Dir-lhes-ei por que gosto de me sentar só, porque sou um sádico, porque só os sádicos gostam de se sentar sós.

Estava sentado só, porque estava sumptuosamente vestido para aquela ocasião e porque não era um civil.

Acreditam que somos sádicos e que não têm que se preocupar connosco, e nós não temos opinião formada acerca de se têm ou não de se preocupar connosco, nem nos agrada pensar nisso porque o assunto nos confunde.

É possível que ele já não signifique nada para mim, mas continuo a acreditar que era como eu.

Não estavas à espera de te apaixonares, perguntei-me a mim mesmo, e ao mesmo tempo respondi com ternura: Acreditas que sim?

Ouvi-te cantarolando maravilhosamente a tua canção, dizia que eu não te posso ignorar, que por fim eu tinha aparecido por uma série de deliciosas razões, que apenas tu conhecias, e aqui estou eu Miss Blood.

E tu não voltarás, não voltarás aqui onde me deixaste, e é por isso que guardas o meu número de telefone, mas não o marques por engano quando estiveres a brincar com o telefone.

Começaste a fastidiar-nos com a tua dor e decidimos mudá-la.

Disseste que eras mais feliz quando dançavas, disseste que eras mais feliz quando dançavas comigo, a quem te referias?

Então mudamos a sua dor, brindamo-la com a ideia de um corpo e contamos-lhe uma piada, e ele então pôs-se a meditar profundamente sobre o riso e sobre a chave do mistério.

E ele pensava que ela acreditava que ele pensava que ela acreditava que a pior coisa que uma mulher pode fazer é afastar um homem do seu trabalho, porque isso em que é que o converte, em algo belo ou feio?

Agora penetraste na secção matemática da tua alma, que aclamavas não ter possuído nunca. Suponho que isso mais o destroçado coração te convencerá que tens perfeito direito de ires domesticar os sádicos.

Ele sabia o último verso de cada estrofe da canção, mas ignorava os outros versos, o último verso era sempre o mesmo: Não te digas a ti mesmo um segredo a não ser que estejas disposto a guardá-lo.

Ele pensou que sabia ou que actualmente sabia mais de canto para se tornar um cantor; e se com efeito existe tal ofício, haverá alguém que o exerça e será dele que nascem os sádicos?

Não é um ponto de interrogação, nem de exclamação, é o ponto final de um homem que escreveu “Os parasitas do céu”.

Mesmo que expuséssemos o nosso caso com toda a claridade e todos os que pensam como nós, todos eles se pusessem a nosso lado, mesmo assim seríamos ainda muito poucos.


Leonard Cohen


2 Comments:

Blogger amok_she said...

«(...)
Mesmo que expuséssemos o nosso caso com toda a claridade e todos os que pensam como nós, todos eles se pusessem a nosso lado, mesmo assim seríamos ainda muito poucos.


Leonard Cohen»


...beijo...

10:54 da manhã  
Blogger Que Bem Cheira A Maresia said...

Lindo..., como tudo que vem de ti!
Faço votos para que tenhas tido um Bom Natal!
Beijo da Mar Revolto

1:39 da manhã  

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