segunda-feira, dezembro 21, 2009

KATACUMBA 2


- Sim, nos primeiros tempos creio que seria mesmo isso. Ainda havia, de todas as formas, sintomas muito fortes de uma adolescência mal resolvida. Os tempos do liceu, essencialmente os primeiros anos não foram nada famosos. Penso, sinceramente, que os preconceitos da sociedade coimbrã contra todos aqueles que DE CERTA FORMA NÃO ENCAIXAVAM estavam bem presentes. Os liceus eram dominados pelos coimbrinhas, a malta de Celas, betinhos, filhos deste ou daquele, fosse no José Falcão ou na Brotero. Uma fila de hondas e de yamahas emparelhadas nos passeios. No entanto era isso, a banda era tendencialmente dark, embora as músicas não fossem nada disso. Uma espécie de hardcore bem esgalhado, mas como li uma vez numa fanzine em relação ao nosso som: “Mais violento do que pensado”.
- Fala-me desses tempos. Lembro-me muito bem do concerto com os Gato Morto e os Fetos Enlatados no mítico Bairro de Celas.
- É verdade, esse concerto marca uma viragem, principalmente porque fomos nós que o organizámos. Antes disso tínhamos tocado no José Falcão e na praia de Mira, mas mais para a piada do que para outra coisa. Correu bem demais, embora o som fosse asqueroso e a banda cheia de pregos. Mas acho que havia muito pessoal que estava à espera disso. Da violência aos saltos, fumar umas quantas, enfrascar de uns garrafões, qualquer coisa. A banda ganha algum estatuto a nível local, mas, mais importante do que isso, foi dos primeiros concertos naquele que seria o espaço de culto do rock coimbrão (e não só) dos anos 90 – o Bairro de Celas. Bem mais do que a Cave das Químicas, outro espaço de culto da época. Antes desse concerto, só me lembro de um, com os Gato Morto. O baterista (se a memória não me falha) já era o João Doce, com quem cheguei a tocar e que agora é o percussionista dos WrayGunn. O Xico, na altura vocalista dos Fetos Enlatados, também toca nos WrayGunn, creio que nos sintetizadores. Mas ter uma banda, dar um concerto, tudo isso dava muito trabalho. Tínhamos que fazer os cartazes, sem meios nenhuns, convém recordar que o acesso e a funcionalidade dos computadores não era como nos dia de hoje. Depois ainda tínhamos que andar a colá-los pela cidade. Íamos de carro, de início só eu conduzia, outras vezes de mota. Lembro-me do cartaz desse concerto no Bairro. O JJ, sempre ultra prático, tinha arranjado uma cola para colar madeira. E, é verdade, alguns cartazes “conseguiram” ficar colados durante mais de cinco anos.
- Bons tempos, as coisas eram mais complicadas, mas davam outro gozo…
- É verdade, tinha a sua piada. Lembro-me de sermos perseguidos pelos seguranças dos liceus, o Xano a correr com a lata de cola na mão… Mas não era só nessas situações. A polícia implicava connosco nas ruas, as pessoas olhavam de lado, as diferenças estavam mais acentuadas. Lembro-me que, uma vez, o JJ foi detido na rua apenas por andar com um cinto de balas. Aquilo não tinha nada de especial, era apenas o raio de um cinto, mas obrigaram-no a ficar umas boas horas dentro do carro patrulha. É que era dia de cortejo académico…Outra vez, eu e o Xano íamos na Praça da República e uma mulher que levava um cartaz onde se lia REZEM O TERÇO pára a olhar para nós e começa a amaldiçoar-nos, a dizer que íamos para o Inferno e etc. e tal.
- Enfim. Mas depois o Bairro de Celas começou a ser uma paragem obrigatória de bandas de fora, nomeadamente as da cena hardcore vegetariano/anarquista…
- O Bairro de Celas foi muito impulsionado pelo Arame Farpado que juntava os esforços do André Leitão e do Manel Mendes. O André Leitão também era o guitarrista dos Foragidos da Placenta, o Manel, lembro-me de o ver tocar em várias bandas, Artigo 41, Gobart, DK Hard Jazz. Foi também ele que assumiu o lugar do Daniel nas duas digressões dos Hud Sabão pela Europa, a tocar em “squatters”, no underground do underground. É curioso que eu fui sempre o baixista convidado para essas duas “fugas”, mas recusei das duas vezes por razões “emocionais”. É óbvio que me arrependo até hoje. Curiosamente, cheguei a encontrá-los em 1996 em Paris, perdidos, perto da zona do Pigalle. Estava com o JJ, a Andrea, a Ana Teresa. Ainda demos umas voltas, teve a sua piada.
- A opinião que eu tenho em relação ao Bairro de Celas é que, a partir de certa altura, aquilo começou a perder a sua identidade…
- Talvez. O Bairro de Celas foi ao ar porque as seis, sete pessoas que organizavam os concertos cansaram-se ou partiram para outro paradigma. Falo do meu primo, do André, do Barreto, etc. Ao contrário do que li num estudo sociológico, a maior parte dos habitantes do Bairro de Celas, depois do choque inicial, gostava que lá houvesse concertos. O bar da associação estava sempre cheio em dia de concerto, mas não só. Em concertos de bandas estrangeiras ou dos Tédio Boys aquilo chegava a meter algumas centenas de pessoas. E ainda havia outra dimensão: os concertos davam vida àquele espaço, pois, de resto, pouco seria mais do que um “gueto” mal amanhado do salazarismo, outra das vítimas do crescimento da eterna Universidade. “Casas de bonecas” albergando os refugiados do crescimento desproporcional da cidade de Coimbra.
- É verdade, as pessoas esquecem-se disso. Queixam-se por não haver nada, mas quando começa a haver…
- Mas a verdade é que aquilo começou a desvirtuar-se quando passou a ser, quase exclusivamente, um reduto da cena hardcore anarquista, em que a maior parte das bandas vinha de fora.
- Explica lá isso.

(continua)

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4 Comments:

Blogger The Poisonous I said...

Estou a gostar muito...

Abraço!

P. S. E para quando uns poemas, hein? :(

9:18 da tarde  
Blogger DarkViolet said...

de celas lembro-me a psiquiatria e os seus aspectos... as entrevistas têm sempre vida


Que a dádiva da partilha seja a corrente do Ser, nesta época ou noutra altura do ano

Bom Natal

9:25 da tarde  
Blogger Black Rider said...

DarkViolet, um grande Natal para ti e que a partilha seja o denominador comum:)

JN, continuo à espera de uma "apitadela".

abraço(s)!

4:04 da manhã  
Blogger The Poisonous I said...

Em Janeiro, RMM. Prometo. ;)

Um abraço amigo e votos de boas festas.

6:25 da tarde  

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