Frase do dia: "E sentes-te mais feliz se eu estiver abrigada?!"
"O dia quente, o calor de sol, os cada vez menos cabelos colados à testa. E ainda o vento.
Paro no café, vou chegar atrasado ao Centro. Não me importa mesmo nada. Não sei se me importa sequer chegar ou não.
Quando foi que a loucura começou? O que é que isto quer dizer? Nada, não quer dizer nada, mas, volta e meia e meia volta, sou assolado por pensamentos contínuos como este. De que posso estar mesmo louco. Mas, tal como tudo na minha vida, sou capaz de estar mesmo a exagerar. Está quente ainda, tal como o tempo. Quando acordei olhei para debaixo da cama e ele continuava lá. Morto.
Eu não estou louco. Aliás, a loucura em si não existe. É algo que a sociedade define. A sociedade define os padrões da normalidade e, logo, tudo aquilo que ultrapassa esses padrões socialmente aceites e definidos é, automaticamente, rotulado como sendo estranho ou nocivo. Não sei, apenas sei que é tudo definido pelos outros. Quando te afastas desse mesmo modelo que os outros definiram como sendo a normalidade vigente, aí sim, meu amigo, podes-te preparar sempre para duas coisas. Uma delas é poderes ser considerado um génio e, desta maneira, podes esperar pelos coros de anjos cintilantes a abanarem campainhas aos teus ouvidos e lindas e lindas mulheres desnudas de seios para a tua boca, almas para encheres até à raiz espermática, flores chocolates e vinho branco, orgia e festim, sangue e cigarros... todas as coisas nas quais a felicidade se alimenta. Mas... quando isso não acontece, quando a tua diferença notória não serve para vender nem dá lucro... é mesmo o frio branco de uma parede branca, parede branca, a perna cruzada de mini-saia da psicóloga da psicoterapia, ora diga lá, meu senhor, quando é que sente essa angústia tão grande no seu peito, é quando dorme, ou é apenas quando respira? E é apenas uma das inúmeras formas vazias de fim, da nulidade, do caos espasmódico de uma vida que se arrasta e arrastará sempre chutada para as margens. Só que, mesmo assim, a tua morte nunca será possível. Os que te rotulam como louco, como estranho, como outsider, não te podem deixar morrer, isso não, isso seria sempre o fim para eles. Mas não penses que é por gostarem tanto e tanto, tanto e tanto de ti, claro que não, não sejas ingénuo. A tua loucura justifica a sanidade deles. O seu ir para casa dizendo há cada louco neste mundo, embrulhando-se nos seus pesados cobertores de lã, sorrindo a sua normalidade pela janela para o frio embaciado de uma vida qualquer que não existe, pelo menos ali, ali no meio dos seus sonhos básicos de vida familiar respeitável. Mas lá no fundo, no fundo...
Uma sociedade doente precisa da doença exposta. Precisa de a definir. Precisa de criar inúmeras minorias para poder dizer, como num discurso de um político idiota em cima de um palanque, de mangas arregaçadas da camisa Boss para o povo, nós não, nós somos os sãos e os outros são loucos e são coitados por serem loucos. Mas não têm culpa de serem loucos e, apesar de serem loucos, nós estamos aqui para os tratar. A loucura é a maior das indústrias. Vende sempre bem e se fores mesmo um bom louco, poderás estar sempre a salvo. Mas quem te salva de ti mesmo? O que é que isso interessa?
Nada.
Matei-o.
Não devia estar sempre a repetir que o matei.
Eu já sei.
E ele também já o deve saber.
Porque está morto..."
"O dia quente, o calor de sol, os cada vez menos cabelos colados à testa. E ainda o vento.
Paro no café, vou chegar atrasado ao Centro. Não me importa mesmo nada. Não sei se me importa sequer chegar ou não.
Quando foi que a loucura começou? O que é que isto quer dizer? Nada, não quer dizer nada, mas, volta e meia e meia volta, sou assolado por pensamentos contínuos como este. De que posso estar mesmo louco. Mas, tal como tudo na minha vida, sou capaz de estar mesmo a exagerar. Está quente ainda, tal como o tempo. Quando acordei olhei para debaixo da cama e ele continuava lá. Morto.
Eu não estou louco. Aliás, a loucura em si não existe. É algo que a sociedade define. A sociedade define os padrões da normalidade e, logo, tudo aquilo que ultrapassa esses padrões socialmente aceites e definidos é, automaticamente, rotulado como sendo estranho ou nocivo. Não sei, apenas sei que é tudo definido pelos outros. Quando te afastas desse mesmo modelo que os outros definiram como sendo a normalidade vigente, aí sim, meu amigo, podes-te preparar sempre para duas coisas. Uma delas é poderes ser considerado um génio e, desta maneira, podes esperar pelos coros de anjos cintilantes a abanarem campainhas aos teus ouvidos e lindas e lindas mulheres desnudas de seios para a tua boca, almas para encheres até à raiz espermática, flores chocolates e vinho branco, orgia e festim, sangue e cigarros... todas as coisas nas quais a felicidade se alimenta. Mas... quando isso não acontece, quando a tua diferença notória não serve para vender nem dá lucro... é mesmo o frio branco de uma parede branca, parede branca, a perna cruzada de mini-saia da psicóloga da psicoterapia, ora diga lá, meu senhor, quando é que sente essa angústia tão grande no seu peito, é quando dorme, ou é apenas quando respira? E é apenas uma das inúmeras formas vazias de fim, da nulidade, do caos espasmódico de uma vida que se arrasta e arrastará sempre chutada para as margens. Só que, mesmo assim, a tua morte nunca será possível. Os que te rotulam como louco, como estranho, como outsider, não te podem deixar morrer, isso não, isso seria sempre o fim para eles. Mas não penses que é por gostarem tanto e tanto, tanto e tanto de ti, claro que não, não sejas ingénuo. A tua loucura justifica a sanidade deles. O seu ir para casa dizendo há cada louco neste mundo, embrulhando-se nos seus pesados cobertores de lã, sorrindo a sua normalidade pela janela para o frio embaciado de uma vida qualquer que não existe, pelo menos ali, ali no meio dos seus sonhos básicos de vida familiar respeitável. Mas lá no fundo, no fundo...
Uma sociedade doente precisa da doença exposta. Precisa de a definir. Precisa de criar inúmeras minorias para poder dizer, como num discurso de um político idiota em cima de um palanque, de mangas arregaçadas da camisa Boss para o povo, nós não, nós somos os sãos e os outros são loucos e são coitados por serem loucos. Mas não têm culpa de serem loucos e, apesar de serem loucos, nós estamos aqui para os tratar. A loucura é a maior das indústrias. Vende sempre bem e se fores mesmo um bom louco, poderás estar sempre a salvo. Mas quem te salva de ti mesmo? O que é que isso interessa?
Nada.
Matei-o.
Não devia estar sempre a repetir que o matei.
Eu já sei.
E ele também já o deve saber.
Porque está morto..."
1 Comments:
Muito bom Ricardo. Eles vão ter que reconhecer, mesmo que lhes custe o reconhecimento. Continua, que eu faço o mesmo.
Abração
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