quarta-feira, junho 22, 2005

Frase informativa sobre onde estarei amanhã à tarde (como se isso importasse lá muito!): "Estarei pela esplanada para assistir ao morrer da tarde a arder... apareces?".
O DIÁLOGO QUE SE SEGUE É DA i RESPONSABILIDADE DOS AUSENTES, e foi gravado em segredo na paragem do autocarro para o holocausto (reed.)

- Voltamos às perguntas?
- Inevitavelmente. Talvez seja uma consequência da solidão ou a necessidade de fazer de terapeuta contra a minha sociofobia.
- Ontem lá foste a casa do velho R. Noite pseudoanimada a ver a queda socialista e a queda do governo. E hoje?
- Uma certa depressão e um certo mal estar. Levei a T à estação, não fui ter com os pais ao Gira. Não consigo lidar bem com o meu pai, sinto-me distante e sempre com um certo medo dele.
- Nada que já não se saiba. A depressão atingiu-te quando te cruzaste com o E, depois a solidão que sentiste no Luna, a boa da loira em flirt contigo e tu longe, e tu longe... sempre a mesma merda! Depois a outra tipa do Foyer passou por ti e teve medo de te encarar. E que mais?
- O vazio à volta no Foyer, a velha N. A volta pelo Avenida, comprei o livro do Umberto Eco para oferecer à mãe e “A vida sexual de Catherine Millet”, escrito pela própria, para mim. Preciso de estímulos. Saquei a morada da F através da Q, mais um sítio para enviar uma carta armadilhada.
- Sei que pensaste, mais uma vez, em suicídio... achas que ainda o farás?
- Não sei. Ah! Ah! Ah! Se o fizer não viverei para contar como foi!
- E hoje?
- Zero. Não fui às finanças. Acordei tarde e porcamente. Parei no Tropical, troca de palavras com a A, vi o G no Foyer. Vi o velho R com a tipa que lhe mete os cornos.
- Não consegues disfarçar esse rancor?
- Nunca, seria hipócrita dizer que estou interessado na felicidade dele. Talvez o triunfo não fosse o tipo ser fodido, seria muito mais relevante uma qualquer vitória da minha parte... por mais difícil que isso me pareça.
- Esta tarde tiveste aquele pensamento: não tens uma vida normal mas também não tens uma vida anormal.
- A grande questão é mesmo essa, uma vida paranóica, e por outras vertentes, poderia colmatar as falhas desta, mas a verdade é que isso não acontece. Sinto-me num limbo em que ninguém comunica: mando CVs para empresas que não me respondem, mando livros para editoras que não me respondem. Quando saio, embora seja cedo, apanho sempre a noite. Transtorna-me profundamente. Aprendi a viver sem muitas coisas e, por mais bizarro que tal me pareça, creio que há qualquer coisa de negativo e de sobrenatural a pairar sobre mim.
- Percebo perfeitamente. Embora o lado místico esteja a ser apagado devido aos ecos da vida concreta e do trabalho, objectivos definidos, todas essas merdas... algo que, na pura realidade, não existe realmente. Ontem paraste a ver o presépio dos bombeiros. Creio que a última vez que lá estiveste foi na puta do Natal de 98. Não é assim?
- Penso que sim. Passeei pela Baixa, mas mesmo sendo Natal, não vi nenhuma animação ou as pessoas a atafulharem-se nas lojas. A recessão tem diversos condicionantes, atinge-me e atinge a todos, mas estou-me um pouco a cagar para o sentimento de que os outros lá terão os seus problemas. A eterna dúvida: se eu me quisesse matar não me afectariam as merdas da vida corrente, ou... eu talvez me queira matar devido às merdas da vida corrente.
- Achas mesmo?
- Não foi, nem de perto nem de longe, a vida que imaginei para mim. Não sou nada que possa definir com clareza, não sou um retornado nem chego a ser a África na diáspora, não chego a ser são nem chego a ser louco. Uma obsessão que não se concretiza não é nada, não me sinto próximo de nenhuma classe ou grupo etário, não sinto afinidades com este ou com aquele grupo, valores, ideias, interesses..., nem próximo desta ou daquela pessoa quando só existe um Eu sentado na mesa do café... A beleza física que se extingue não me trouxe nada, a sensibilidade muito menos, e também ela se extingue, a inteligência acima da média muito menos, não me levou a sítio algum... ainda sinto com uma intensidade latente o medo e um forte e terrível sentimento de culpa.
- Um autêntico discurso catastrófico?
- Nada que já não escreva ao longo destes anos. Tornei-me num animal amestrado e isolado. Até os sonhos de sangue e de ódio deixaram de ser predominantes. Embora não me seja indiferente, a minha vontade de ir é igual à minha vontade de ficar... embora, grande lástima, não passe muito por mim escolher esta ou aquela vertente.
- Porquê a necessidade de colocar os pensamentos em ordem quando já não existe ordem alguma?
- ... fiquei sem resposta. O amor ao que foi não substitui, ou pode alguma vez substituir, o amor às coisas que têm de ser conquistadas... Olha, uma criança com um gorro de Pai Natal está a pontapear um caixote de cartão...

3 Comments:

Blogger couve-flor. said...

gostei...
muito.

1:23 da tarde  
Blogger Black Rider said...

Obrigado, Martinha, espero que voltes mais vezes. O vosso blog impressionou-me mesmo muito e de certeza que encontraram outro leitor atento.

3:20 da tarde  
Blogger Black Rider said...

Pois é, Piolha, e neste preciso momento em que escrevo o mundo está-me mesmo a causar muitas náuseas. Às vezes é mesmo preciso deixar que o sol rebente, mesmo que seja nas nossas mãos. Deixá-lo arder e queimar tudo à volta. E se for para rebentar ao menos que seja por uma coisa em grande. Ainda bem que, desta vez, conseguiste respirar a ler o que escrevo. Respirar também é o que mais preciso neste momento.
1 beijo para ti

3:52 da tarde  

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