terça-feira, novembro 02, 2004

Frase do dia: "Aproveita, o lugar está vago outra vez".

"Lembro-me bem quando Ela partiu. Porque quando ela partiu levou com ela os destroços do meu coração. Partiu e consigo levou os fragmentos, os estilhaços, as granadas e tudo aquilo que ainda fervilhava no meu peito, tudo aquilo que já não encontro no meu peito nesta altura. Há sempre uma Mulher na vida de qualquer Homem que seja. Espero que não tenha sido ela, que não fosse, ou que nunca fosse, como se alguma vez pudesse ter sido, ou será que nunca foi, mas nunca ela, não mais ela nunca mais, nunca mais ela. Porque ela partiu.
Nunca mais me esquecerei quando o fez, o seu passo apressado carregando a sua estatura média, o peito pequeno, o cabelo de uma cor qualquer de um tom escuro de castanha escura escurecida. Partiu. Num dia assim. Com 24 horas para se preencherem com qualquer coisa que se faça, embora sabendo que não é preciso fazer mesmo e mesmo nada, que todas essas horas se esgotam e passam. Como se alguma vez o tempo parasse, sabendo que o tempo nunca pára. Ela partiu. Carregando o seu pequeno corpo, corpo pequeno, partiu feliz e ansiosa adentrando o aeroporto, voando para tão e tão longe daqui. Ainda me lembro de ela acenar ao longe, sem o inevitável lenço que se espera que se acene- visto ela estar a embarcar num avião, visto ir para fora do país, visto estar como ela estava... a partir...
Mas não, nunca podia ser ela, a mulher da minha vida... como se alguma vez pudesse existir uma tal parvoíce que seja...
Porque há aquelas que esperamos que cheguem, aquelas de quem se espera que tragam a nós mesmos de volta, aquelas que nunca partem, que nunca nos deixam, que estão sempre a chegar. E ela partiu e nunca mais voltou. E ela nunca mais voltou. Porque nunca sequer chegou algum dia a ficar.
Ainda me lembro quando o fez, num dia igual a este, com o vento e os espanta-espíritos em namoro copular, com as nuvens carregadas dispersas, do pôr do sol de um céu vermelho, trágica cor verbal, violeta e roxa pluma das aves, o silêncio de quem tem sempre tudo a dizer, o barulho seco dos carros ao longe, ela partiu, o seu passo decidido, o sorriso nervoso de ansiedade e vontade de nunca mais voltar, ela partiu. O seu passo decidido, ela partiu. As vértebras pesadas por toda a incompreensão, ela partiu. O seu peito pequeno, ela partiu. Os lábios como morangos, os dedos que acenavam como garras na minha garganta, ela partiu. A felicidade massacrando a capa de todo o meu amor, de todo o meu ódio e impotência, ela partiu. Para nunca mais voltar, ela partiu. Para partir para sempre, ela partiu. Acenando a quem quer que fosse, ela partiu. Ainda me lembro bem quando o fez. Ali no aeroporto. Ainda me lembro bem demais. Acenando aos amigos, ainda me lembro bem. Acenando aos que amava, ainda me lembro bem. Acenando às mães e pais e tias e sobrinhos, ainda me lembro bem. Acenando às ruínas de um mundo que morre, como eu me lembro tão bem. Como eu me lembro tão bem. Ai como eu me lembro.
Como eu me lembro bem... porque lá não estava".

1 Comments:

Blogger Luís F. Simões said...

Deixa-a partir e parte também ;)

Abraço

9:57 da tarde  

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