Frase da razão: "Qual?"
DRAMAS SUCESSIVOS
Bem, depois de ontem ter discutido com o meu cunhado, parece que hoje calhou a vez de ser com um velho amigo. Não vou pedir desculpas ao meu cunhado, mas gostava de o fazer em relação ao velho amigo e gostava que ele não entendesse isto como qualquer forma de cinismo ou falsidade. Admito certa irritação minha e uma péssima e terrível má escolha de palavras. Sinto muito, pá, admito que errei. Mas da mesma forma que sinto que interpretaste mal as minhas palavras (devido a não terem sido as melhores) também eu sinto que interpretei mal as tuas. Há dias assim, em que a razão à flor da pele não é nada e em que cada vez me sinto mais afastado desse mesmo nada que sempre seria alguma coisa.
Tempo de um poema...
O ANJO SEM SORTE. Atrás dele o passado dá à costa, acumula entulho sobre as asas e os ombros, um barulho como de tambores enterrados, enquanto à sua frente se amontoa o futuro, esmagando-lhe os olhos, fazendo explodir como estrelas os globos oculares, transformando a palavra em mordaça sonora, estrangulando-o com o seu sopro. Durante algum tempo vê-se ainda o seu bater de asas, ouvem-se naquele sussurrar as pedras a cair-lhe à frente por cima atrás, tanto mais alto quanto mais frenético é o escusado movimento, mais espaçadas quando ele abranda. Depois fecha-se sobre ele o instante: no lugar onde está de pé, rapidamente atulhado, o anjo sem sorte encontra a paz, esperando pela História na petrificação do voo do olhar do sopro. Até que novo ruído de portentoso bater de asas se propaga em ondas através da pedra e anuncia o seu voo.
Heiner Müller
Heiner Müller
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