sexta-feira, junho 23, 2006


Frase trancada: “A porta está na tua cabeça, a chave está na tua boca”.
«Há uns quantos de dias atrás, na estadia de um concerto de um novo projecto musical – The Time Machine Ensemble – música para a banda sonora de uma curta do Buster Keaton, voltei a entrar no jardim do castelo. Estava sozinho, perdera-me dos outros, o sol era como um ferro em brasa. O sol era como um ferro em brasa, passava-me por cima dos ombros, passeando os seus raios de uma forma ostensiva.
Agora eras o meu inimigo, agora eras o meu irmão outra vez, agora eras o meu amigo. Como nesses anos o foras. Não obstante as histórias de mulheres, de solidão e de álcool e de tantos e tantos caminhos sem volta. O equilibrista esmagou o seu crânio ao cair do trapézio. Desta vez não houve chão que o segurasse… mas hoje o mundo é mais leve. É mais leve quando deixas de dar tanto crédito aos pensamentos, quando sentes que os sentimentos valem muito menos do que um aperto de mãos, do que um tocar nos ombros, de dois dedos nuns lábios, de um afagar de cabelos, não interessa. Interessa-me não voltar nunca mais atrás. Não que isso interesse ou funcione. Não que a idade não valha o que vale – nada mais do que registos de uma memória falível. A idade… ganhas em paciência aquilo que perdes em pachorra. A memória… não lavei os dedos a cheirar ao sexo da velha amante numa tentativa de a preservar. Nem sequer pensei em fazer as pazes contigo porque, acredita, pode-se partir qualquer coisa num edifício: as varandas, o sétimo, o sexto, o quinto e o quarto, o terceiro, o segundo e até mesmo o primeiro de todos os andares… mas nada se pode partir pela base. Acredita que, aí sim, nem sequer vale mais a pena. Não que isso importe. Ou será que importa?
Voltei a entrar no jardim, ainda antes de subir às muralhas do castelo. O sol como um ferro a arder num mundo que seria novo para mim. Voltei a entrar no jardim ao retornar aos meus próprios passos, quase há 10 anos atrás, numa qualquer deslocação para um concerto… lembro-me dos Lulu Blind… Voltei a entrar no jardim e por entre aquele barulho de pássaros, por entre aquele verde das folhagens, por entre aquelas flores adormecidas nos seus canteiros, voltei a vê-lo. Ali. Dentro da gaiola. O mesmo corvo de outrora. Marcado como uma sina enterrada nos passos da memória de há 10 anos atrás. Ainda mais preto do que antes. Ainda maior do que me lembrava. Ainda ali. Dentro da gaiola e a olhar para mim. Tão estranho e tão vivo. Olhámo-nos olhos nos olhos. Outra vez. Sem saber onde estava o mundo e onde começava a gaiola. Ou qual de nós estava preso ou qual de nós estava livre. Nenhum dos dois. Sempre e sempre os dois. Ambos! Iguais e de todas as formas diferentes. Como se tudo não fosse mais do que um simples verbo que se conjuga… Voltei a entrar no jardim. Sem saber. Sem saber que há 10 anos atrás estava a caminhar no futuro.»

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Acho incrivel a forma como os teus textos ou ate mesmo a simples frase antes de cada um dele têm a capacidade unica de me absorver a tal ponto que começo a imaginar cada coisa tal como a descreves! Encontrei o teu blog numa busca qualquer que diz no google e desde ai que passa por aqui quase todos os dias (por vezes aproveito para ver as coisas mais antigas). Hoje resolvi comentar!!!

"A idade… ganhas em paciência aquilo que perdes em pachorra.." e esta foi a frase que mais me prendeu, que me chamou porque na verdade, apesar da minha tenra idade vejo que começa mesmo a ser assim!

Bjinhos...(e claro tens um link la no meu cantinho...)

1:15 da tarde  
Blogger Joana said...

"Sem saber que há 10 anos atrás estava a caminhar no futuro."
As palvras ferem, quando tocam o âmago da verdade. Conseguiram expressar, tão naturalmente, o que se sente infinitamente nesta vida.
Amei.

10:52 da tarde  
Blogger Black Rider said...

Obrigado pelas palavras e pelo link, bruxinha, fico feliz por te identificares com algumas das coisas que por aqui vou deixando.
Seja qual for a nossa idade ou a idade das palavras, a idade que ficou ou a que está para vir, gostava realmente que, um dia, a paciência e a pachorra possam vir a fazer as pazes connosco. Ou que se reencontrem uma à outra se (mais uma vez um dia) pudermos fazer as pazes com elas.

beijo para ti e vai aparecendo!

11:07 da tarde  
Blogger Black Rider said...

"As palavras ferem quando tocam o âmago da verdade", Baixinha, mas de certeza que ferem ainda mais quando apenas trazem as mentiras nos lábios, nos bolsos, nos olhos.

Obrigado pelas tuas. Sei que são sinceras.

beijo!

11:13 da tarde  
Blogger Star Wars Girl said...

belas palavras...

11:32 da tarde  

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