Frase do dia: "Aquilo que tu entendes como sendo o Mal pode não ser o oposto do que eu caracterizo como sendo o Bem, no fundo conceitos abstractos, vagos, imbuídos de morais e arquétipos de valores e representações, expectativas, visões do mundo, dos outros e de nós, etc; mas de todas as formas, mesmo que exista um consenso em relação a esse mesmo Bem tal não significa que tudo aquilo que se lhe opõe se defina como sendo, obrigatoriamente, o Mal..."
Há uns dias atrás fui ver uma pequena peça de teatro a Lisboa, no foyer do Teatro da Comuna, a convite da minha velha amiga Ana Teresa Santos, actriz em monólogo durante os poucos mais de 30 minutos que aquilo durou (C. e S., foi tudo muito rápido e não pude avisar ninguém- a doença súbita de um familiar próximo e a preparação da minha viagem para Istambul por pouco não impossibilitaram a minha ida). De todas as formas, lá fui ver a peça, A Mulher do Quadro, baseada num quadro do Edward Hopper, escrita e encenada pelo Paulo Lage, com a Ana Teresa Santos e o Elmano Sancho, todos eles alunos e ex-alunos do Conservatório. A peça contava ainda com o acompanhamento ao piano por parte do António Neves da Silva.
Ao princípio andei meio perdido, tinha uma ideia muito vaga sobre a localização do Teatro da Comuna, sabia que era perto do Teatro Aberto, mas o meu sentido de orientação é completamente nulo. Felizmente apanhei boleia com um casal do Algarve, que também estava à procura do mesmo recinto, e, depois de algumas quantas de voltas pelas rotundas e circulares várias, e principalmente depois de uns quantos de telefonemas, lá conseguimos chegar.
A peça, que terá uma breve reposição nestes próximos meses, narra a história de um romance vivido entre uma mulher judia e um oficial nazi. A mulher é a única que fala, enquanto o homem permanece completamente mudo do início ao fim da peça. Ela está a despedir-se porque se cansou de fugir, despede-se porque dentro em breve será apanhada e enviada para um "campo de trabalho", despede-se porque ele, a exemplo de todos aqueles que servem o Poder sem o questionarem, mantém-se no mesmo mutismo silencioso e silenciado porque entre o amor a uma mulher e o amor a uma pátria preferiu, indubitavelmente, o segundo. Soa-me algo estranho porque não sei qual dos dois será o mais abstracto. Soa-me estranho porque não sei até que ponto o Amor pode ser parcelar e divisível, ou até que ponto podem existir incompatibilidades entre amores "diferentes". Se é que existe amor...
Não sei qual de nós, ou qual dos dois, será o mais cego (...), mas fartei-me de rir quando a minha amiga me disse que as suas colegas pensaram que eu era casado- visto terem tomado o anel de prata que eu uso no dedo anelar como uma aliança. Bem, talvez essa seja uma das causas para alguns falhanços! Ah! Ah! Ah!
A peça acaba com o suicídio da mulher, como se essa não fosse uma última forma de fuga tão (ou tão pouco) válida como qualquer outra.
Não sou crítico de nada, tirando de todos os Eu que conheço e desconheço, mas achei a peça representada com um teor muito mais forte do que aquilo que já tinha tido a possibilidade de ler.
A certa altura os meus ouvidos depararam com uma passagem que dizia:
"Amanhã partirei (...). Deixo no guarda-vestidos as minhas melhores roupas para o teu futuro amor. Para onde vou não preciso delas".
Não sei o que isto quis dizer para mim, mas é certo que me surgiu algo descontextualizado. É certo que nós nunca somos sempre algo de definido, vamos sendo, transformando-nos, evoluindo, talvez eu esteja errado e a divagar, mas não sei... De todas as formas, sendo sincero, eu sei o que aquilo quis dizer para mim. Eu rejeito todas essas roupas, todos esses trajes, do guarda-vestidos eu ainda prefiro os monstros e as traças. Prefiro a completa nudez, não procuro no dia de ontem as cores para o dia de amanhã, prefiro os farrapos desde que esses farrapos sejam os que te despem e não os que te vestem.
Talvez esteja a pensar apenas do ponto de vista daquele que já viu partirem, mas creio que a operação inversa é tão válida como a outra, aplico a mesma lógica em relação àquilo que já foi, por mais que a vida seja cíclica, por mais que ao gritar para o vazio apenas me surja o eco da voz do eterno retorno, não interessa.
Da mesma forma, descontextualizando esta passagem, que entendo dentro do seu contexto, apenas faço o realce de que todas as coisas que têm interesse são aquelas que são, ou que pelo menos parecem(?!), realmente, únicas.
Não me interessa que as coisas sejam clones, idênticas ou similares, rejeito todos esses padrões e todas as tendências que entendem a vida como uma continuidade com princípio meio e fim. Prefiro aquilo que o meu amigo Luís F. Simões escreveu com as palavras do Ser na Descontinuidade.
E este é o delírio existencialista das 3 e tal da manhã.
Mais uma vez... amanhã estarei em viagem.
E para que esta vinda aqui não tenha sido uma perda de tempo completa...
Tempo de um Poema
Pó cheira a raio de sol,
mel bravo à liberdade,
boca de moça à violeta,
e o ouro não cheira a nada.
A reseda cheira à água,
amor à maçã rescende,
mas agora já sabemos-
só o sangue cheira a sangue...
Em vão o pretor romano
se lavava as palmas grossas
sob os gritos da plebe.
E a rainha da Escócia
debalde raspava as gotas
vermelhas da mão esguia
na penumbra sufocante
da real moradia.
Anna Akhmátova, Só o Sangue cheira a Sangue
Há uns dias atrás fui ver uma pequena peça de teatro a Lisboa, no foyer do Teatro da Comuna, a convite da minha velha amiga Ana Teresa Santos, actriz em monólogo durante os poucos mais de 30 minutos que aquilo durou (C. e S., foi tudo muito rápido e não pude avisar ninguém- a doença súbita de um familiar próximo e a preparação da minha viagem para Istambul por pouco não impossibilitaram a minha ida). De todas as formas, lá fui ver a peça, A Mulher do Quadro, baseada num quadro do Edward Hopper, escrita e encenada pelo Paulo Lage, com a Ana Teresa Santos e o Elmano Sancho, todos eles alunos e ex-alunos do Conservatório. A peça contava ainda com o acompanhamento ao piano por parte do António Neves da Silva.
Ao princípio andei meio perdido, tinha uma ideia muito vaga sobre a localização do Teatro da Comuna, sabia que era perto do Teatro Aberto, mas o meu sentido de orientação é completamente nulo. Felizmente apanhei boleia com um casal do Algarve, que também estava à procura do mesmo recinto, e, depois de algumas quantas de voltas pelas rotundas e circulares várias, e principalmente depois de uns quantos de telefonemas, lá conseguimos chegar.
A peça, que terá uma breve reposição nestes próximos meses, narra a história de um romance vivido entre uma mulher judia e um oficial nazi. A mulher é a única que fala, enquanto o homem permanece completamente mudo do início ao fim da peça. Ela está a despedir-se porque se cansou de fugir, despede-se porque dentro em breve será apanhada e enviada para um "campo de trabalho", despede-se porque ele, a exemplo de todos aqueles que servem o Poder sem o questionarem, mantém-se no mesmo mutismo silencioso e silenciado porque entre o amor a uma mulher e o amor a uma pátria preferiu, indubitavelmente, o segundo. Soa-me algo estranho porque não sei qual dos dois será o mais abstracto. Soa-me estranho porque não sei até que ponto o Amor pode ser parcelar e divisível, ou até que ponto podem existir incompatibilidades entre amores "diferentes". Se é que existe amor...
Não sei qual de nós, ou qual dos dois, será o mais cego (...), mas fartei-me de rir quando a minha amiga me disse que as suas colegas pensaram que eu era casado- visto terem tomado o anel de prata que eu uso no dedo anelar como uma aliança. Bem, talvez essa seja uma das causas para alguns falhanços! Ah! Ah! Ah!
A peça acaba com o suicídio da mulher, como se essa não fosse uma última forma de fuga tão (ou tão pouco) válida como qualquer outra.
Não sou crítico de nada, tirando de todos os Eu que conheço e desconheço, mas achei a peça representada com um teor muito mais forte do que aquilo que já tinha tido a possibilidade de ler.
A certa altura os meus ouvidos depararam com uma passagem que dizia:
"Amanhã partirei (...). Deixo no guarda-vestidos as minhas melhores roupas para o teu futuro amor. Para onde vou não preciso delas".
Não sei o que isto quis dizer para mim, mas é certo que me surgiu algo descontextualizado. É certo que nós nunca somos sempre algo de definido, vamos sendo, transformando-nos, evoluindo, talvez eu esteja errado e a divagar, mas não sei... De todas as formas, sendo sincero, eu sei o que aquilo quis dizer para mim. Eu rejeito todas essas roupas, todos esses trajes, do guarda-vestidos eu ainda prefiro os monstros e as traças. Prefiro a completa nudez, não procuro no dia de ontem as cores para o dia de amanhã, prefiro os farrapos desde que esses farrapos sejam os que te despem e não os que te vestem.
Talvez esteja a pensar apenas do ponto de vista daquele que já viu partirem, mas creio que a operação inversa é tão válida como a outra, aplico a mesma lógica em relação àquilo que já foi, por mais que a vida seja cíclica, por mais que ao gritar para o vazio apenas me surja o eco da voz do eterno retorno, não interessa.
Da mesma forma, descontextualizando esta passagem, que entendo dentro do seu contexto, apenas faço o realce de que todas as coisas que têm interesse são aquelas que são, ou que pelo menos parecem(?!), realmente, únicas.
Não me interessa que as coisas sejam clones, idênticas ou similares, rejeito todos esses padrões e todas as tendências que entendem a vida como uma continuidade com princípio meio e fim. Prefiro aquilo que o meu amigo Luís F. Simões escreveu com as palavras do Ser na Descontinuidade.
E este é o delírio existencialista das 3 e tal da manhã.
Mais uma vez... amanhã estarei em viagem.
E para que esta vinda aqui não tenha sido uma perda de tempo completa...
Tempo de um Poema
Pó cheira a raio de sol,
mel bravo à liberdade,
boca de moça à violeta,
e o ouro não cheira a nada.
A reseda cheira à água,
amor à maçã rescende,
mas agora já sabemos-
só o sangue cheira a sangue...
Em vão o pretor romano
se lavava as palmas grossas
sob os gritos da plebe.
E a rainha da Escócia
debalde raspava as gotas
vermelhas da mão esguia
na penumbra sufocante
da real moradia.
Anna Akhmátova, Só o Sangue cheira a Sangue
1 Comments:
[Anna Akhmátova...o q eu, em tempos, me fartei de procurar por "ela"]
...então, boa viagem!;-)...beijo...
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