LETRAS DE UMA SÓ PALAVRA
“Sou obrigado a responder: em parte alguma. Se desejo viver livre, é por enquanto necessário que o faça no interior destes moldes. Sei que o mundo é mais forte do que eu. E para resistir ao seu poder só me tenho a mim. O que já não é pouco. Se o número não me esmagar, sou, também eu, um poder. E enquanto me for possível empurrar as palavras contra a força do mundo, esse poder será tremendo, pois quem constrói prisões expressa-se sempre pior do que quem se bate pela liberdade. E no dia em que só o silêncio me restar como defesa, então será ilimitado, pois gume algum pode fender o silêncio vivo”.
Stig Dagerman, a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer
“Sou obrigado a responder: em parte alguma. Se desejo viver livre, é por enquanto necessário que o faça no interior destes moldes. Sei que o mundo é mais forte do que eu. E para resistir ao seu poder só me tenho a mim. O que já não é pouco. Se o número não me esmagar, sou, também eu, um poder. E enquanto me for possível empurrar as palavras contra a força do mundo, esse poder será tremendo, pois quem constrói prisões expressa-se sempre pior do que quem se bate pela liberdade. E no dia em que só o silêncio me restar como defesa, então será ilimitado, pois gume algum pode fender o silêncio vivo”.
Stig Dagerman, a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer
POEMAS DA MINHA VIDINHA
Vou
Calando meu olhar sobre teus lábios
Procuro iluminar meu ser no escuro do teu ser
Imprimo meus lábios nos teus
Faço-os meus
Selado neste momento
De duplicidade complexa
Sinto sepultar os meus
Abandono o mórbido altar
Fujo de mim
Porque é a ti que procuro
Entre mim e a minha sombra quantos eus?
Luís F. Simões, pode ser que vos caia uma chupeta do céu
3 Comments:
Meu caro Black Rider,
Permite-me expressar o meu agrado por mais uma vez verificar que partilhamos gostos comuns. Muito boa literatura "publicas" tu aqui! Refiro-me particularmente à primeira, pois o segundo autor, Luís F. Simões, não conhecia, com desânimo, já que o que li aqui dele gostei - o final do poema é arrebatador. Quanto ao Dagerman, o meu bloco de notas não me deixa esquecer o que dele (ex)traí, pois também eu sinto necessidades impossíveis de satisfazer (mais não seja a de estar bem com a vida). Aqui vai, deixa-me partilhar contigo o que trago no bolso todos os dias:
"Procura a felicidade" - VAZIO
"O consolo por não durarmos sempre" - TEMPO
"O que há de mais próximo à vida" - MORTE
"O sinal mais vivo da servidão" - MEDO de VIVER
"A única prova da liberdade humana" - SUICÍDIO
De vez em quando, quando leio o meu caderninho, vejo alguns amigos conhecidos, e recordo-os sempre com esperança. O Stig Dagerman é certamente um deles.
Houve sintonia.
Abraço,
João Nery
"Palavra de um artista tem que escorrer
substantivo escuro dele
Tem que chegar enferma de suas dores, de seus limites, de suas derrotas
Ele terá que envesgar seu idioma ao ponto de enxergar no olho de uma garça os perfumes do sol"
- Manoel de Barros
(in Retrato do Artista
Quando Coisa)
Agora sim, até breve,
A Voz da Serpente
É pena que a "impossibilidade de satisfazer a necessidade de consolo" tenha levado o Stig Dagerman ao suicídio. Podes não conhecer a escrita do Luís F. Simões, mas eu estava com ele naquela sessão de poesia no Quebra Costas quando leste aquele teu poema - de uma forma muito sentida, comentámos os 2 o mesmo, vou-me lembrar sempre disso e constitui mais uma prova de que existe sintonia. Podes visitar o Luís F. Simões (meu amigo de longa data e pai do meu afilhado Joel) no blog neo-normal, vale muito a pena.
Obrigado por mais uma partilha, concordo e revejo-me em muitos dos teus pontos de vista e tenho sempre muito a aprender com eles. Acho, no entanto, que o verdadeiro vazio é o fim último de todas as coisas - embora não saiba se constitui, ou não, uma qualquer espécie de felicidade. Talvez seja apenas um estado, ou um estágio, em que se é "naturalmente" - numa espécie de plenitude do SER que se encontra a si próprio no mundo e nos outros. Ou em que deixa de ser apenas o que "é" e se transforma. Filosfia oriental - caminhar para o não-conhecimento, caminhar para a não-acção, encontrar-se com o Vazio.
Quanto ao Tempo, felizmente que não é para sempre, pelo menos da forma que o entendemos - embora, num certo nível, ele seja apenas não limear - logo, retorna sempre de uma forma circular (mesmo que não fixada num qualquer momento específico). Mas para uma vida "mortal" isso não faz muito sentido... E ainda bem, penso eu. Costumo sempre dizer que "o deserto não é de areia, é de tempo".
Acho que Morte e a vida são, no fundo, a mesma coisa. Não as vejo como opostos, o que se opõe à vida é a não-vida e não a morte. A morte não deixa de ser uma manifestação dos vivos e todas as coisas têm que morrer para que as outras nasçam. No entanto, temos que valorizar a vida, e lutar contra esse medo de viver - "o sinal mais vivo da servidão". Infelizmente o medo de viver (e esta é mais uma prova da proximidade morte/vida) encontra-se com o medo de morrer - já que também não encaro a morte como um fim último, mas como renovação, mudança e transformação. A vida terrena é um lugar de passagem, o além-vida é um espaço de desconhecimento (tal como esta vida?), entenda-se da maneira que quiser, estejam apenas anjos ou estejam apenas vermes do outro lado da linha - se é que não são ambos o mesmo. Por isso há que aproveitar o que se tem sem medo de arriscar a vida, aconteça o que acontecer, já que tudo isto vai ser sempre uma passagem. É por isso que, mesmo entendendo o suicídio como uma prova da "liberdade humana", acho que "ainda" é possível uma certa dose de liberdade sem o termos de cometer (pelo menos para já) - por mais opcional ou válido que ele seja. Há vários tipos de suicídio (o Durkheim escreveu um livro sobre isto), mas acho que não vem ao caso.
O que vem ao caso é que, mais uma vez, me fizeste pensar (e especular) e só te posso agradecer por isso. Sempre me identifiquei com os livros do Dagerman, mas acho que se ele não se tivesse suicidado ainda teria muito a dar ao mundo.
Abraço!
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