quarta-feira, março 30, 2005

Frase do dia: "Não deixes, sob pena de te esqueceres quem é o sujeito, que o objecto do teu controlo se transforme no objecto que te controla; isto é, em ti mesmo".



CARTAS FALHADAS A PAIXÕES ANTIGAS CARTAS ANTIGAS A PAIXÕES FALHADAS



Março de 1999


R*** C******,



Estavas no recital de poemas do herberto helder. Espero que tenhas gostado dos poemas porque, sinceramente, aquela pseudo-representação teatral deixou muito a desejar e acabou por não fazer grande justiça ao escritor que foi e que é o herberto helder. Além disso acabaram por "não ter coragem" de recitar os poemas verdadeiramente de ruptura ou os mais psicóticos.
Há uns tempos escrevi este poema que é baseado no tipo de escrita do h. h., dentro, é claro, da minha mediocridade. O que me levou a escrevê-lo foi, em grande parte, o abstraccionismo (neste momento parei porque esqueci-me se esta palavra leva um ou dois Cs) que é para mim encarar os teus olhos e não conseguir lhes atribuir nenhuma cor específica. Não consigo ver se eles são verdes ou cinzentos. Tal terrível problema tem-me feito perder muitas horas de sono! No entanto acho que não são nem de uma cor ou de outra, ou talvez seja da junção destas duas cores que resulte a cor dos teus olhos. Ou então a minha óptica invisual já é por demasiado grande e não consigo ter a visão que as outras pessoas têm. Queria ter-te dito isto na noite do recital, mas, como já tem sido hábito... estava "demasiado fumo" pela sala.
Não espero que gostes do poema, apenas que o leias.

Julgas-te infalível mas o pó de giz
mantém-se nos dedos.
A verdade amontoa-se nos cantos do quadro negro
o abecedário deste momento adormece no sussurro que embala
o murmúrio do Ser Abstracto- Os teus olhos verdes
desfiguram a sala e perseguem
a lembrança de ontem o cigarro de hoje o café
de manhã
quando acordas e respiras
o bater dos ponteiros que embalam
o tempo
os minutos os segundos
e o inútil contratempo das horas quando é noite
e o pano cai quando uma mancha lhe turva
o rosto
por barbear a tua lembrança como um fóssil.
E a navalha do plágio quando a aranha come a mosca
na sua teia como num trapézio sem chão
onde percorro como num carrossel de imagens os teus olhos
me impedem
no labirinto para o sono.


Ricardo



LETRAS DE UMA SÓ PALAVRA


"Quando o luto não vem inscrever no real a perda de um laço afectivo (de uma força), o morto e a morte virão assombrar os vivos sem descanso".


José Gil, Portugal, Hoje, o medo de existir








2 Comments:

Blogger soledade said...

Lembrei-me do "doble luto" de António Machado (não saber de que cor serão os olhos é perder duas vezes o ser amado). O poema - sim, cruza-o o universo algo surrealizante de HH. E não podia vir mais a propósito a citação de José Gil. Quando a lembrança se torna fóssil. E tudo é inquietude.

3:50 da tarde  
Blogger Black Rider said...

É algo verdade, Soledade, e dá bastante que pensar essa visão (e não deixam de ser sintomáticos os olhos) do António Machado- não saber de que cor são os olhos é perder duas vezes o ser amado. Fiquei alguns minutos a pensar nisto antes de escrever.
O poema e a carta estão contextualizados a um período, a um tempo, a uma pessoa. Não os trouxe aqui por alguma nostagia, ou luto não assumido por um tempo algo distante dos dias e das horas do agora. Deu-me uma certa vontade de rir quando encontrei, nos baús cheios de páginas e despojos, algumas cartas a paixões e paixonetas várias. Não chegam sequer, na sua maioria, a ser cartas de amor; não significando que isso, nas palavras do Poeta, não as torne, também a elas, ridículas.
Mas a visão do José Gil, em vários e diversos aspectos, faz todo o pleno sentido. Quer no luto não assumido nas lágrimas do seu carpir, quer no simples varrer da poeira para debaixo do tapete e, assim, enganar os olhos com a visão de uma casa limpa e a brilhar.
1 beijo meu para ti e os desejos de uma excelente semana.

9:51 da tarde  

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