Frase: “Esquece o essencial, concentra-te na essência”.
NOTAS AVULSAS
Estive há uns dias na praia da velha cidade povoada dos meus fantasmas, mas nem a certeza do espelho redondo do quarto sem luz me conseguiu mentir que, aqueles, ainda eram os meus olhos. A partida da minha velha amiga, do meu coração reciclado, apenas me trouxe a lembrança antecipada do amanhã onde estou sozinho. Demasiadas as sombras no tecto, apenas um momento a mais…Não vale a pena tapar o sol com os óculos escuros, o amor não se vê numa fotografia velha de um tempo esquecido, tem de ser o próprio sol… de frente e sem filtros.
Telefonei ao meu amigo marroquino, estudante de doutoramento, em Portugal há quase uma década. De um momento para o outro, o SEF começou a colocar-lhe entraves para revalidar o visto de permanência. Queria ir a Marrocos visitar a família, mas, aparentemente, não vai ser possível. Arrisca-se a não poder voltar. Um pequeno (?!) drama humano de um momento para o outro, investigado por meios indirectos em nome da, não assumida, protecção do Estado português com a sede em Washington. Antes, quando lá ia, contava que era bem recebido, trocavam apertos de mão, sorrisos, uma relação de necessidade de anos, mas hoje…se pudessem, eram capazes de lhe cuspir na cara.
Já não tenho a capacidade de me reinventar como antes e é pena. “Não consigo mentir mais”. Percorro os becos da cidade sem luz e sem sombras quando me deparo com o espectáculo da beleza da sua imagem reflectida no rio. Falo demasiado que me vou embora daqui, mas tudo aquilo que tenho visto é a partida daqueles que não falam. E partem de má vontade. Isso dá-me a volta à cabeça.
Percorro as ruelas da cidade, o seu esqueleto, becos de sujidade que os postais não mostram, que os estudantes não cantam, que quem não cresceu aqui não conhece, lixo amontoado por cima das flores, ou flores que crescem sobre o lixo… achas que não é a mesma coisa?!
Percorri, há uns dias, a eterna ilha que é Lisboa de táxi, o motorista só murmurava “a culpa é dos comunas…”, insultava tudo e todos, só queria descer, mas ele levou-me, mais uma vez, de volta. De volta a quê?!
Tinha tido, umas horas antes, uma entrevista para uma ONG. Saí com a sensação que eles mereciam alguém mais responsável já que, quando me deparei com a rua, fui estoirar dinheiro em centros comerciais, sem me preocupar que todos eles tenham sido construídos sobre lixeiras.
Nota- o que, ainda, procuras em mim enterrei na praia.
Nota- os fantasmas só resistem porque construímos as casas para eles habitarem.
Nota- estou a gastar tinta a mais, devia poupar na gasolina.
Nota- agora, mais uma vez, entendo o que uma colega minha disse ao expressar a sua opinião sobre “terrorismo”- na dúvida há que disparar.
Nota- estou à espera da bala.
Nota- da tua.
Nota- na cabeça.
2 Comments:
Vim por aqui abaixo a ler. Parei aqui, a pensar: de facto estamos sempre à espera da bala, daquela que é disparada à queima-roupa.
Sim, monalisa, não sei é se isso é bom ou mau. Bom porque nos faz estar sempre preparados, mas mau porque faz com que tenhamos de jogar muito à defesa. O mais estranho é quando somos nós que transportamos a arma.
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