quinta-feira, janeiro 28, 2010

Sete anos esta noite.

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segunda-feira, janeiro 18, 2010

KATACUMBA 5

- Nesses anos, pertencer a uma banda era mais do que tocar com este ou aquele elemento. Não era só música… se a música era realmente o mais importante, algo em relação ao qual tenho agora muitas dúvidas. A Banda – fosse lá ela qual fosse – estruturava as identidades de cada uma daquelas pessoas. Isso em Katacumba era um dado muito assente. De início saíamos sempre juntos para qualquer lado e calcorreávamos todos os sítios daquela época. Ao contrário da maior parte do pessoal que tocava naqueles anos, que frequentava preferencialmente o Académico, o Tropical ou o extinto OAF (o Moçambique, que ainda apanhei nos seus últimos anos já não existia) o “território” de Katacumba estendia-se por uma faixa que ia desde a Conchada até às imediações do Penedo da Saudade, mais especificamente até à tasca “o Aranha”. Naqueles quilómetros tínhamos o clubinho, o Trianon, o Gulbenkian, a Casa da Cerveja, um outro café cujo nome já não me recordo, onde depois foi a extinta loja do Nuno Gama, perto do desaparecido Ding Dong… Também íamos muito a tascas, o Aranha, a tasca do Sr. João. O único sítio da Praça da República que frequentávamos, geralmente nos fins de tarde, era o Mandarim, antes de se reciclar em Macdonalds para gáudio da estudantada no geral. Volta e meia, conforme as disponibilidades, íamos “moshar” ao States, geralmente aos fins-de-semana. De resto, não havia muito mais, ou seja… tal como hoje. Tocar na banda era andar em grupo. Onde ia um ia outro. Esse era o princípio. Nesses percursos íamos conhecendo este ou aquele, travando amizades ou nem por isso.
- Pois, isso era uma cena muito visível. As pessoas eram conhecidas como o “não sei quantos que toca nos”. Mas acho que nas bandas dos movimentos anarquistas isso já não era bem assim. Lembro-me de ver tocar bandas, muitas delas estrangeiras, que chegavam a tocar só com um dos elementos da banda. Os outros não tinham podido ir, sabe-se lá o porquê das razões. Mas a banda estava lá representada. Não era bem “a banda”, mas apesar de não ser com os seus elementos as músicas não deixavam de ser as mesmas.
- Exacto. Isso é outro dos motivos pelo qual o movimento hardcore anarquista nunca poderia ser muito representativo em Coimbra, assim como o hip hop que só nos últimos anos começou a ter expressão, através do Mc Ruze principalmente. Coimbra pode ser uma cidade grande no panorama nacional mas não é uma cidade urbana no pleno sentido. Não tem uma periferia como Lisboa e Porto, não se estende numa grande área metropolitana e, logo, não gera as mesmas dinâmicas sociais porque não existe o mesmo anonimato. Neste sentido, as identidades são mais unipessoais, já que os movimentos estão mais agregados a pessoas do que à música ou à ideologia. Por isso, mais uma vez, quando as seis, sete pessoas, que animavam a cena dos concertos em Celas se cansaram, também os concertos, todo esse movimento, chegou ao seu fim.
- É verdade. Essa cena das individualidades, de ser esta ou aquela pessoa que está em primeiro plano, é uma característica das cidades pequenas.
- A “nossa pequena aldeia”. Nem mais. A cena é que a pequena aldeia molda as mentalidades, mesmo a dos movimentos que se apresentavam contra o sistema, fosse lá quem fosse o sistema:) Com uma ou outra excepção, não deixava de existir uma óbvia conotação burguesa onde, mesmo sendo alternativas, certas tendências eram completamente rejeitadas. O hip hop nem sequer entrava, se calhar porque não existia nem existe uma vivência periférica na qual ele emergisse sem ser excessivamente aburguesado. Mas se a falta do hip hop podia ser explicada nesse prisma, o preconceito generalizado contra o metal devia-se ao facto de a maior parte das pessoas que frequentavam esses percursos o considerarem uma cena parola, dos metaleiros das periferias rurais que circundavam Coimbra, pessoal que curtia Iron Maiden ou Metallica. Tal como o hip hop, também o metal levou anos a entrar.
- É verdade. Também tenho essa impressão. Mas ainda acho que isso tudo acabou por entrar devido à globalização. Por mais que não se quisesse, também a nossa cidade não escapou a ela.
- Pois. Mas isso foi uns anos depois. Em 1993 ou 94, ainda estávamos muito longe de tudo isso. Sobre a semelhança com as gangues. Lembro-me de uma vez andarmos à porrada com outro grupo cá fora, à saída do States. Não tinham nenhuma banda, mas também andavam sempre juntos e dizia-se que também iam formar uma. Fizeram-nos uma espera. Aquilo começara na pista do States, entre o Xano e outro tipo, com um nome caricato, J. Punk, e já se arrastava há algumas semanas. Aquela cena do “chega pra lá, que a pista é minha” tinha que terminar. A pista, não deixava de ser um espaço de afirmação como qualquer outro. Isso era visível. Podia haver amizades, mas a territorialidade continuava presente. Esse J. Punk fazia parelha com outro tipo, conhecido, como é óbvio, por P. Punk. Ainda havia mais um ou dois, todos eles da mesma “família”. Andámos à porrada de madrugada. Lembro-me do Xano ter apanhado o primeiro murro do J. Punk e ter ficado sem um dente. Eu lancei-me para cima de outro Punk e aquilo deu o que tinha a dar. O Xano era um gajo bastante forte e desancou o outro gajo, não obstante ele ainda ter sacado de uma navalha. Lembro-me de termos levado o Xano ao hospital para ser cozido e, ao chegar a casa, esmurrar o carro do lado esquerdo, pois no meio da porrada tinha-me saltado a lente de contacto com um soco. Mesmo assim, acho que dei mais:) Adiante, a cena acabou mais ou menos por ali. Continuámos a ir ao States tal como os outros tipos. A questão é essa: não ficámos todos propriamente amigos, mas acabámos por nos tornarmos “camaradas”. Lembro-me de uma cena que o JJ, o mais pacífico, gritara no fim da porrada: “Nós não devíamos andar à porrada porque somos todos iguais. Ainda se fosse nos betos!”. Tem piada mas não deixa de ser verdade. Os “Punk” com quem tínhamos andado à porrada, tinham feito o mesmo com os Tédio Boys umas semanas antes. Agora davam-se todos bem. Lembro-me de estar a falar com o Kaló sobre a cena e de ele dizer que nós tínhamos uma mentalidade “psychobilly” por andarmos sempre os quatro juntos, fosse na porrada, fosse em qualquer outra cena. Ou seja, a mentalidade de gangue, onde ia um ia outro e nós íamos os quatro fosse contra quem fosse. A cena da banda, todos esses conflitos, que não deixam de ser conflitos de afirmação, ofereciam uma espécie de estatuto, das histórias que se contavam na noite, daquele ser um gajo violento, de quem deu porrada em quem. Lembro-me de uma vez, ainda com o lábio rasgado, antes de ir passar a madrugada ao hospital a ser cozido, reentrar no States e ameaçar seis ou sete gajos sem nenhum deles ter coragem para reagir.
- Eh! Eh! És um gajo pesado! Não te sabia assim…
- Ninguém no fundo era assim. A Banda, mais uma vez e fosse ela qual fosse, é que redimensionava as pessoas.
- Ou seja: andar à porrada com alguém era fazer um amigo.
- Isso mesmo.

Continua

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sexta-feira, janeiro 08, 2010

Esperas sempre qualquer coisa diferente do igual.

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sexta-feira, janeiro 01, 2010

KATACUMBA 4

- Se algo caracterizava a cena rock de Coimbra dos anos 90, embora hoje em dia, não creio que seja muito diferente, é que era, maioritariamente, constituída por pessoas de Coimbra. Pode parecer meio xenófobo mas esse era mesmo o princípio. O pessoal das bandas, tivesse a idade que tivesse, era quase todo da cidade. Vinham do mesmo tronco comum…
- Mas isso não é assim em qualquer sítio?
- Talvez. Mas numa cidade em que grande parte da população juvenil é universitária, a sua maioria oriunda de outras cidades, embora cada vez mais circunscrita à zona centro, este facto não deixa de ter uma grande relevância. Ao contrário do que seria de supor não havia grande mistura, nem uma grande participação da população universitária, a não ser quando os concertos eram realizados na Cave das Químicas e… mesmo assim, muito circunscrita ao pessoal que frequentava os organismos da AAC, pessoal da RUC, etc. Sendo assim, eram raras as pessoas que não eram de Coimbra a terem uma participação activa na cena rock. Havia uma grande ligação aos liceus, José Falcão, Brotero, Dona Maria. Os liceus, apesar de muitos de nós já sermos universitários, eram uma estranha fonte de recrutamento de pessoal para os movimentos, rockabillys, freaks no geral. Não que não houvesse pessoal de fora que tocasse em bandas, mas…
- Pois. Percebo essa lógica. A Universidade, o peso da praxe, os jantares dos cursos, o Carnaval local, condiciona e limita a vivência de grande parte das pessoas. Mesmo de muitas que até teriam uma qualquer palavra a dizer. Acabam por se perder na manada, a pastar no meio dos outros.
- Nem mais. No entanto esta ligação a Coimbra era (e é) mais pungente do que pode parecer à primeira vista. Só depois do fim de Katacumba é que me lembro de começar a ter amigos que não fossem de Coimbra, não que fizesse alguma coisa para isso não acontecer, apenas não calhava, não era comum. Nesses tempos, apesar de falar com os colegas da faculdade, de conhecer pessoal que vinha de fora, a verdade é que quase todos os amigos, todas as pessoas próximas, eram deste meio, fossem de que classe social fossem, fizessem ou não fizessem nada, estudassem, trabalhassem, ou estivessem apenas na marginalidade. De todas as formas… este era o princípio primeiro, a origem das pessoas. Logo, embora possa não parecer relevante numa primeira leitura, permitiu o aparecimento, particularmente no fim dos anos 90 e nos anos zero, de bandas conimbricenses, ou com pessoal de Coimbra, com um forte estatuto nacional e internacional – Belle Chase Hotel, Legendary Tiger Man, Wraygunn, Bunnyranch, D30, Sean Riley and the Slowriders, Parkinsons, Ruby Ann, etc.
- Mais uma vez, impulsionadas pelo pessoal dos Tédio Boys.
- Sim, também. Mas não só. Mas o princípio é o mesmo: se as pessoas não fossem daqui, ou melhor, se por aqui não se mantivessem, isso nunca poderia ter acontecido. As mesmas pessoas, os mesmos bares, os mesmos concertos, as mesmas bandas. Esse sempre foi o princípio.
- E mais? Quais eram as outras particularidades?
- Bem, estamos a falar dos anos 90. E se rejeitarmos (como o devemos) a perspectiva paternalista de classificarmos a atitude desses anos como cenas de putos, já que estamos a meio da casa dos 30:), outra das características era uma certa tendência para agirmos como uma gangue. As bandas eram uma espécie de espaço fechado, embora cada uma com o seu cerco de influências à volta. Isso era mais visível nos Tédios Boys, mas também com os Katacumba isso acontecia. De todas as formas, a cena das bandas era marcada pela superioridade moral do rock alternativo, embora também ele preconceituoso. O pessoal do rock dominava, organizava concertos, demonstrava outra dinâmica. Bandas que não pertencessem, ou que não fossem aparentadas, com esse movimento tinham muito poucas hipóteses. A verdade é que o rock do meio dos anos 90 era mais violento, ao contrário do que acontecera no fim dos 80, início dos 90, com bandas do género Amantes de Maria, Primus Inter Pares ou os Los e o Mito. Os Cure, os Smiths já tinham sido apagados pelos Nirvana, Stone Temple Pilots… Bandas mais pesadas, muitas entretanto extintas, estavam a ser redescobertas, Dead Kennedys, DRI, SOD. O rock pulava em todos os espaços de culto, o States principalmente, Gun Club, Body Count… O paradigma já não se adaptava a estilos musicais mais pop. Não que não houvesse bandas desse género, também elas de cá, basta pensar na Inês Santos que ganhou o Chuva de Estrelas, mas as suas hipóteses de se afirmarem neste universo eram nulas e não tinham capacidades para criarem o seu próprio movimento. Bairro de Celas, Cave das Químicas, isso estava fora de questão para eles, quando muito… tinham de se limitar a tocar no Dom Dinis, onde a maior parte do público era de fora e não estava lá pela música. Isso marcou esses tempos.
- Mas essa cena das gangues… das bandas serem algo de parecido. Como é que funcionava?

Continua

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