segunda-feira, dezembro 28, 2009

KATACUMBA 3

http://www.metal-archives.com/band.php?id=76940


- As coisas podem ser explicadas por um princípio muito simples. Podia não existir um estilo definido sobre o que era a cena rock de Coimbra…
- Quase sempre associada às bandas rockabilly. Tédio Boys…
- Mas também Garbage Katz, Tom Kat com quem chegámos a tocar umas poucas de vezes em Vil de Matos, Granja do Ulmeiro em 1993, os 77 do Paulo Eno, Batwingz os Subway Riders, embora, estes últimos… um pouco mais para o chavascal e, posteriormente, as Voodoo Dolls. É mais do que óbvio que esse estilo estético/musical tinha um grande peso. Mas havia muitas mais bandas, todas elas de vários estilos e ondas. Podia não existir um estilo definido, mas sem dúvida que existia um padrão. Lembro-me dos Too Mates Noise, dos Cave Canem, dos Dive, dos DK Hard Jazz, por exemplo. Todas essas bandas tinham um estilo próprio e eram de géneros completamente diferentes. Os Dive eram uma banda pop indie, os Cave Canem, góticos ao género Cure ou Bauhaus. Bandas mais ou menos jazzísticas como os DK Hard Jazz ou os Gobart eram de uma onda próxima do Jonh Zorn, Mike Patton. Nós, que oscilávamos entre o hardcore e o death metal. Havia muitos outros projectos. Todas diferentes, mas sem dúvida que dentro de um meio pequeno… qualquer pessoa podia afirmar que constituíam a cena rock de Coimbra. Basicamente, estavam, de certa forma, associadas. Viam-se nos concertos, frequentavam os mesmos sítios…
- E o Bairro de Celas acaba com isso?
- A curto prazo não, depois, quando a maior parte das bandas já vinha de fora, todas da cena hardcore anarquista, aí sim, esse espírito inicial, do que era (seria, ou se alguma vez chegou a ser) o rock de Coimbra começa a perder o seu peso.
- Eu acho que entendo isso. Depois a maior parte das bandas era quase todas de fora…
- O problema não era serem de fora. Isso, até era positivo, já que era um sinal de que a cidade se começava a abrir. A grande questão foi que, com o passar do tempo, só as bandas que estavam alinhadas com a cena anarquista é que tinham lá lugar. Lembro-me de tocar, por exemplo, com os Subcaos, de ver concertos dos Inkisição, ou dos X-Acto. Boas bandas, não há que pôr isso em causa. Mas, de todas as formas, começou a existir uma assimilação excessiva, visto que quem não alinhasse ideologicamente com esse movimento não podia lá tocar.
- Ou seja, era discriminado.
- Discriminação é mesmo o melhor termo. Lembro-me de começar a tocar e a maior parte do público (90% da cena anarquista) começar a sair da sala. Aliás, cenas destas eram bastante comuns com os Katacumba. Porquê? Ora, basicamente porque, e aqui já estou a falar de 1994, 1995, a banda já estava bastante associada ao metal. Na prática não creio que seria bem assim. Lembro-me de termos organizado um concerto no Bairro de Celas, creio que em 1994, e de termos arranjado uma banda de cada género – uma de hardcore anarquista (da qual não me lembro agora o nome) e outra de metal, os Insane de Tomar. Esse concerto foi um grande fiasco financeiro, tivemos que pedir dinheiro às famílias para pagar as despesas, o aluguer do equipamento, da sala, alimentação e viagens das bandas… A cena é que as pessoas não iam aos nossos concertos, fosse lá porque motivo fosse…
- Pá, dessa cena, lembro-me de ver os Tu Metes Nojo a gozarem literalmente com a cena anarquista em pleno Bairro de Celas, com o Lima a gritar o slogan “Comam verdura para ficar com a piça dura!”. Acho que também o Afonso, que depois viria a ser o vocalista dos Parkinsons, em qualquer projecto da altura, a cantar “Os vegetais são nossos amigos”!
- É verdade, por causa disso os Tu Metes Nojo foram chamados fascistas. Uma vez também vi o André dos Tédio Boys quase a andar à porrada com o pessoal da cena anarquista num dos concertos, acho que por fazer a saudação fascista. A cena é que os Tédio Boys, todos eles, até sempre foram, ao contrário de muitas bandas rockabilly, uma banda literalmente de esquerda, que tocava em concertos do PCP, ou que era contra a praxe. O André fez a saudação para gozar com eles, porque toda aquela demagogia debitada ao microfone chegava a ser patética. O vocalista reagiu com “Parece que temos fascistas na sala” e a cena podia ter azedado. Na altura tive pena que isso não tivesse acontecido, gostava de ver todo esse pessoal à porrada. Para ver se não eram só garganta. A verdade é que, na prática, todos aqueles valores pareciam colados a cuspo e, digam o que disserem, só se dignarem a ouvir bandas daquele movimento – e digo movimento e não “tipo de som” porque muitas bandas da cena anarquista não deixavam de soar à Napalm Death – ou apenas se darem com pessoas daquele género, não deixa de ser uma discriminação.
- Mas havia bandas de Coimbra ligadas ao movimento anarquista, os Hud Sabão, os Foragidos da Placenta…
- Os Foragidos são anteriores a isso. Os Hud Sabão surgem dos Foragidos, ambas as bandas impulsionadas pelo trabalho do Pedro. Os Hud Sabão eram uma banda literalmente hardcore, fundada no apogeu da cena rock anarquista/vegetariana em Coimbra. Os Foragidos, já sem o Pedro, embora inicialmente tivessem um som muito parecido com o nosso, começaram gradualmente a agarrar esse comboio. Embora menos conhecidos em Coimbra, os Hud Sabão conseguiram um considerável estatuto nacional e internacional, mas sempre dentro do universo hardcore anarquista.
- Por que é tudo isso termina? Deixam de haver concertos, as bandas desaparecem…
- Há particularidades em Coimbra, mas fossem de que estilos fossem, quase todas essas bandas de Coimbra terminam da mesma forma. No entanto, são muitas as bandas rock de Coimbra que hoje têm algum sucesso. Mas, sem dúvida, que essas particularidades têm um peso que muitas pessoas não associam de imediato.
- Por exemplo?

Continua

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segunda-feira, dezembro 21, 2009

KATACUMBA 2


- Sim, nos primeiros tempos creio que seria mesmo isso. Ainda havia, de todas as formas, sintomas muito fortes de uma adolescência mal resolvida. Os tempos do liceu, essencialmente os primeiros anos não foram nada famosos. Penso, sinceramente, que os preconceitos da sociedade coimbrã contra todos aqueles que DE CERTA FORMA NÃO ENCAIXAVAM estavam bem presentes. Os liceus eram dominados pelos coimbrinhas, a malta de Celas, betinhos, filhos deste ou daquele, fosse no José Falcão ou na Brotero. Uma fila de hondas e de yamahas emparelhadas nos passeios. No entanto era isso, a banda era tendencialmente dark, embora as músicas não fossem nada disso. Uma espécie de hardcore bem esgalhado, mas como li uma vez numa fanzine em relação ao nosso som: “Mais violento do que pensado”.
- Fala-me desses tempos. Lembro-me muito bem do concerto com os Gato Morto e os Fetos Enlatados no mítico Bairro de Celas.
- É verdade, esse concerto marca uma viragem, principalmente porque fomos nós que o organizámos. Antes disso tínhamos tocado no José Falcão e na praia de Mira, mas mais para a piada do que para outra coisa. Correu bem demais, embora o som fosse asqueroso e a banda cheia de pregos. Mas acho que havia muito pessoal que estava à espera disso. Da violência aos saltos, fumar umas quantas, enfrascar de uns garrafões, qualquer coisa. A banda ganha algum estatuto a nível local, mas, mais importante do que isso, foi dos primeiros concertos naquele que seria o espaço de culto do rock coimbrão (e não só) dos anos 90 – o Bairro de Celas. Bem mais do que a Cave das Químicas, outro espaço de culto da época. Antes desse concerto, só me lembro de um, com os Gato Morto. O baterista (se a memória não me falha) já era o João Doce, com quem cheguei a tocar e que agora é o percussionista dos WrayGunn. O Xico, na altura vocalista dos Fetos Enlatados, também toca nos WrayGunn, creio que nos sintetizadores. Mas ter uma banda, dar um concerto, tudo isso dava muito trabalho. Tínhamos que fazer os cartazes, sem meios nenhuns, convém recordar que o acesso e a funcionalidade dos computadores não era como nos dia de hoje. Depois ainda tínhamos que andar a colá-los pela cidade. Íamos de carro, de início só eu conduzia, outras vezes de mota. Lembro-me do cartaz desse concerto no Bairro. O JJ, sempre ultra prático, tinha arranjado uma cola para colar madeira. E, é verdade, alguns cartazes “conseguiram” ficar colados durante mais de cinco anos.
- Bons tempos, as coisas eram mais complicadas, mas davam outro gozo…
- É verdade, tinha a sua piada. Lembro-me de sermos perseguidos pelos seguranças dos liceus, o Xano a correr com a lata de cola na mão… Mas não era só nessas situações. A polícia implicava connosco nas ruas, as pessoas olhavam de lado, as diferenças estavam mais acentuadas. Lembro-me que, uma vez, o JJ foi detido na rua apenas por andar com um cinto de balas. Aquilo não tinha nada de especial, era apenas o raio de um cinto, mas obrigaram-no a ficar umas boas horas dentro do carro patrulha. É que era dia de cortejo académico…Outra vez, eu e o Xano íamos na Praça da República e uma mulher que levava um cartaz onde se lia REZEM O TERÇO pára a olhar para nós e começa a amaldiçoar-nos, a dizer que íamos para o Inferno e etc. e tal.
- Enfim. Mas depois o Bairro de Celas começou a ser uma paragem obrigatória de bandas de fora, nomeadamente as da cena hardcore vegetariano/anarquista…
- O Bairro de Celas foi muito impulsionado pelo Arame Farpado que juntava os esforços do André Leitão e do Manel Mendes. O André Leitão também era o guitarrista dos Foragidos da Placenta, o Manel, lembro-me de o ver tocar em várias bandas, Artigo 41, Gobart, DK Hard Jazz. Foi também ele que assumiu o lugar do Daniel nas duas digressões dos Hud Sabão pela Europa, a tocar em “squatters”, no underground do underground. É curioso que eu fui sempre o baixista convidado para essas duas “fugas”, mas recusei das duas vezes por razões “emocionais”. É óbvio que me arrependo até hoje. Curiosamente, cheguei a encontrá-los em 1996 em Paris, perdidos, perto da zona do Pigalle. Estava com o JJ, a Andrea, a Ana Teresa. Ainda demos umas voltas, teve a sua piada.
- A opinião que eu tenho em relação ao Bairro de Celas é que, a partir de certa altura, aquilo começou a perder a sua identidade…
- Talvez. O Bairro de Celas foi ao ar porque as seis, sete pessoas que organizavam os concertos cansaram-se ou partiram para outro paradigma. Falo do meu primo, do André, do Barreto, etc. Ao contrário do que li num estudo sociológico, a maior parte dos habitantes do Bairro de Celas, depois do choque inicial, gostava que lá houvesse concertos. O bar da associação estava sempre cheio em dia de concerto, mas não só. Em concertos de bandas estrangeiras ou dos Tédio Boys aquilo chegava a meter algumas centenas de pessoas. E ainda havia outra dimensão: os concertos davam vida àquele espaço, pois, de resto, pouco seria mais do que um “gueto” mal amanhado do salazarismo, outra das vítimas do crescimento da eterna Universidade. “Casas de bonecas” albergando os refugiados do crescimento desproporcional da cidade de Coimbra.
- É verdade, as pessoas esquecem-se disso. Queixam-se por não haver nada, mas quando começa a haver…
- Mas a verdade é que aquilo começou a desvirtuar-se quando passou a ser, quase exclusivamente, um reduto da cena hardcore anarquista, em que a maior parte das bandas vinha de fora.
- Explica lá isso.

(continua)

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quinta-feira, dezembro 17, 2009


Em 1993 formei uma banda, ou melhor, fui formado e deformado por uma. Chamava-se Katacumba e era composta por quatro elementos: eu (baixo), JJ (guitarra), Xano (bateria) e Nuno Freire (voz). Não deixa de ser engraçado pensar que, mesmo tendo passados todos estes anos, ainda muitas pessoas se lembrem desses tempos. Éramos todos putos ainda, nos 17/18 anos. Posteriormente, lá para 1995/96, saiu o Nuno Freire e a Andrea Inocêncio passou a ocupar-se da voz. O baterista Xano saiu em 1997 e entrou o João Demétrio e, a partir dessa altura, seguimos outro rumo. De todas as formas, Katacumba terminou “oficialmente” em 1998, embora se tenham seguido diversos projectos. No entanto, nos 10 anos que se seguiram, onde as entradas e saídas de pessoas foram sempre uma constante, posso afirmar, sem nenhuma dúvida, que em nenhuma ocasião se conseguiu atingir um grau tão elevado de estruturação, entendido na forma como o “espaço da banda” era realmente contundente e construía (mais do que outras categorias que seriam muito mais pertinentes) a nossa identidade.

Este é um excerto de uma possível entrevista – autocentrada, subentenda-se, ou orientada a uma só voz.

- O que era ter uma banda nesses anos? Falamos de 1993, 1994…
- A questão nem será essa. A grande questão – se existe, visto tudo se tratar de questões menores – seria esta: o que era ter uma banda alternativa punk/hardcore/death metal/whatever na Coimbra dos anos 90.
- Ou isso, eu lembro-me bem desses tempos, não havia nada, os CD eram poucos, na maior parte das vezes ouvíamos as músicas gravadas de gravação em cima de gravação, basicamente dos Dead Kennedys, ou dos Sex Pistols ou dos Cramps…
- Sim… mas também Ratos de Porão, Napalm Death, Obituary…
- Ou seja, a banda tinha muitas influências musicais…
- Sim, podemos falar sempre de influências e, convém recordar, mais uma vez, que éramos todos putos de liceu, ou no meu caso e no do Xano, no primeiro ano da faculdade. Mas sim, se falasse numa banda que marcou os primeiros tempos de Katacumba essa foi sem dúvida os Dead Kennedys. Nem mais! O Jello Biafra! Posteriormente tive a oportunidade de ver os Dead Kennedys no Le Son, em 2003 ou 2004, mas sem o Biafra não era a mesma coisa. Já era o tempo da “pastilha elástica”.
- Eu entendo. Nesses tempos não havia nada, MP3, Internet muito menos, quanto mais Myspace ou quejandos. A música era mais vital porque não era tão imediata. Tínhamos que a procurar, fosse em lojas “mais que manhosas” de discos ou através de fanzines.
- Sim, mas as fanzines vieram numa segunda leva, numa altura em que a banda já estava muito próxima do universo do metal, embora a sua verdadeira essência nunca tenha sido essa.
- Explica lá isso.
- O início da banda surge da revolta de dois inadaptados na altura e de dois tipos “sãos” mas cheios de boa vontade. Basicamente é isso. Eu já tinha tocado anteriormente num projecto chamado In Extremis, em conjunto com o JJ e com o meu primo Pedro. Na altura não sabíamos tocar nada (literalmente) mas isso não nos impediu de irmos actuar no Scotch (Natal de 1991). Passado pouco tempo, o Pedro optou por ficar a tocar apenas com outra banda que se formou na altura, em 1992, os Foragidos da Placenta. Quando ele saiu, eu e o JJ ficámos sem baterista, até que apareceu o Xano, que tinha sido meu colega no liceu José Falcão. O Freire, vocalista, nosso amigo, entrou logo depois, outro dos tipos “sãos” mas cheios de boa vontade. Embora fossemos todos muito novos, a banda foi fortemente influenciada pelos últimos anos do cavaquismo e grande parte das letras, embora profundamente “naif”, ou ingénuas à la Censurados, eram de crítica ao sistema vigente. Melhor dizendo: a mandá-lo para o car****! Fundamentalmente era isso: as letras eram de crítica social, só numa fase muito posterior é que a banda cai num universo tendencialmente gore.
- O que contribuiu para isso?
- Não é assim tão fácil de definir, não de explicar. Tudo parte de uma essência, de uma semente, só depois os ramos escolhem as suas curvas sinuosas. A banda não era só música, era mais do que isso, não era só letras, era também t-shirts, preferencialmente estampadas com o símbolo DK, muitos litros de cerveja e amizades que nunca saíram da sua fase embrionária e não chegaram à idade adulta, Mira, Figueira da Foz, “chocolate”, etc. Embora o som fosse fortemente marcado pela bateria em estilo grindcore do Xano e pelo aumento da distorção da guitarra do JJ (na exacta proporção do material sonoro que ia adquirindo), o paradigma reinante era condicionado pelo “depressivismo” do Xano e pelo meu “negativismo social”. Pode parecer algo idiota de perceber, mas isso naquela altura fazia muito sentido.
- Pois.

(continua)

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