Frase trancada: “A porta está na tua cabeça, a chave está na tua boca”.
«Há uns quantos de dias atrás, na estadia de um concerto de um novo projecto musical – The Time Machine Ensemble – música para a banda sonora de uma curta do Buster Keaton, voltei a entrar no jardim do castelo. Estava sozinho, perdera-me dos outros, o sol era como um ferro em brasa. O sol era como um ferro em brasa, passava-me por cima dos ombros, passeando os seus raios de uma forma ostensiva.
Agora eras o meu inimigo, agora eras o meu irmão outra vez, agora eras o meu amigo. Como nesses anos o foras. Não obstante as histórias de mulheres, de solidão e de álcool e de tantos e tantos caminhos sem volta. O equilibrista esmagou o seu crânio ao cair do trapézio. Desta vez não houve chão que o segurasse… mas hoje o mundo é mais leve. É mais leve quando deixas de dar tanto crédito aos pensamentos, quando sentes que os sentimentos valem muito menos do que um aperto de mãos, do que um tocar nos ombros, de dois dedos nuns lábios, de um afagar de cabelos, não interessa. Interessa-me não voltar nunca mais atrás. Não que isso interesse ou funcione. Não que a idade não valha o que vale – nada mais do que registos de uma memória falível. A idade… ganhas em paciência aquilo que perdes em pachorra. A memória… não lavei os dedos a cheirar ao sexo da velha amante numa tentativa de a preservar. Nem sequer pensei em fazer as pazes contigo porque, acredita, pode-se partir qualquer coisa num edifício: as varandas, o sétimo, o sexto, o quinto e o quarto, o terceiro, o segundo e até mesmo o primeiro de todos os andares… mas nada se pode partir pela base. Acredita que, aí sim, nem sequer vale mais a pena. Não que isso importe. Ou será que importa?
Voltei a entrar no jardim, ainda antes de subir às muralhas do castelo. O sol como um ferro a arder num mundo que seria novo para mim. Voltei a entrar no jardim ao retornar aos meus próprios passos, quase há 10 anos atrás, numa qualquer deslocação para um concerto… lembro-me dos Lulu Blind… Voltei a entrar no jardim e por entre aquele barulho de pássaros, por entre aquele verde das folhagens, por entre aquelas flores adormecidas nos seus canteiros, voltei a vê-lo. Ali. Dentro da gaiola. O mesmo corvo de outrora. Marcado como uma sina enterrada nos passos da memória de há 10 anos atrás. Ainda mais preto do que antes. Ainda maior do que me lembrava. Ainda ali. Dentro da gaiola e a olhar para mim. Tão estranho e tão vivo. Olhámo-nos olhos nos olhos. Outra vez. Sem saber onde estava o mundo e onde começava a gaiola. Ou qual de nós estava preso ou qual de nós estava livre. Nenhum dos dois. Sempre e sempre os dois. Ambos! Iguais e de todas as formas diferentes. Como se tudo não fosse mais do que um simples verbo que se conjuga… Voltei a entrar no jardim. Sem saber. Sem saber que há 10 anos atrás estava a caminhar no futuro.»