POEMA MEDÍOCRE 29

Tarde dorida nos olhos. O sol que fuzila.

Uma velha que passa com a mala na mão…

O que carrega lá dentro?
Uma foto dos netos? Lenços de papel?
A lista do supermercado… cartas amareladas
de um amor que escapou? Comprimidos para as
enxaquecas, um vibrador, um revólver?

Uma velha que passa com a mala na mão…

O que carrega lá dentro…

Carregar-me-á
Carregar-te-á
Carregar-lhe-á

(…)

Carregar-me-á. A arma.

RMM

justice - stress

POEMA MEDÍOCRE 28

O passarito que de dia roubava
as migalhas do teu bolo de arroz é
de noite o morceguito que
na tua janela rouba
a fome que o dia não
matou.

Não escapas a isto…

… voa na tua cabeça o milhafre…

Estrondo de qualquer coisa como
num presságio,
presságio de qualquer coisa como
num estrondo.

RMM

POEMA MEDÍOCRE 27

As certezas e as incertezas que os espelhos não mostram.

Sempre se pode
ficar mais careca, sempre se pode
beber mais
um fino, sempre se pode
atravessar na passadeira e
largar os travões. Sempre
se pode ler nos jornais o
passado, o futuro nas
borras do café, amargo, sem açúcar, o presente.
Sempre se pode mergulhar nas
folhas do chá.

Sempre se pode
ficar mais careca, sempre se pode
partir.
Desta.
Para.
Melhor.

RMM

POEMA MEDÍOCRE 26

O défice nacional e o amor em tempos precários.

Deitas-te e ela está a dormir.
Acordas,
ela já não está.

Distantes as almofadas.

Diletantes os lençóis
ausentes.

Corpos que não reclamam discursos, paredes
que não reclamam quadros. Dias que não reclamam
o futuro. Futuro que só reclama

a revisão do spread.

Futuro que não.
Reclama. A cama.

RMM

jonnhy cash - U2 - one

knallgoewer - U2-jonnhy cash - one

tu metes nojo - lição de moral

Naquela base as acções, os discursos e as narrativas dos actores sociais procuram um sentido. Naquela base o marxismo esquemático não é de todo incompatível com a teoria do conflito, com o interaccionismo simbólico ou com a teoria das redes. Naquela base há que investir na formação e no conhecimento. Naquela base há que acreditar que a Europa fica em Alfândega da Fé. Naquela base o Tratado de Lisboa será semelhante ao de Tordesilhas. Naquela base há que amar o país, o Deco, o Ronaldo e o Mourinho. Naquela base há que saber cantar o hino pois nunca se sabe quando os bretões vão atacar. Naquela base o tecido empresarial português está infestado de gestores com a 4.ª classe e de empresas do tio, sobrinho, sogro e cunhado da irmã. Naquela base o mercado exige média superior a 15, menos de 35 anos, com residência em Lisboa, de preferência com carro e carteira de clientes, masculino e feminino. Naquela base a GALP, a SUPERBOCK e a PT são os nossos melhores amigos. Naquela base José é preto e Pedro é paneleiro. Naquela base Paulo inala cocaína e vende o excedente depois de o cortar com aspirina. Naquela base Manuela é puta e vende o cu a quem pagar.

Os mestres nas faculdades e os seus carros de alta cilindrada falam da pobreza do mundo. Os mestres nas faculdades expõem sociologicamente a cura para os males deste mundo e do outro. Os mestres nas faculdades organizam colóquios, fumam e tomam café, viajam para lugares exóticos… em trabalho. Os mestres nas faculdades avaliam os alunos, vão aos jantares e escolhem o vinho. Os mestres nas faculdades desprezam o plágio, lêem Marx e Weber, Bauman e Richard Sennet. Os mestres nas faculdades vão ao teatro e aos bares in, desprezam o fado e as tradições. Os mestres nas faculdades e o paradigma teórico retórico nunca fumaram um charro. Os mestres nas faculdades nunca fumaram um charro, snifaram uma linha, levaram nos e com os cornos, pagaram para foder ou sequer foram fodidos numa espera de autocarro ou no centro de emprego. Os mestres nas faculdades desprezam a burguesia e falam da alta cultura. Os mestres nas faculdades e os seus carros de alta cilindrada falam da pobreza do mundo.

POEMA MEDÍOCRE 25

Noite de mosquitos.

Esquece o vampirismo e as fábulas, toma uma aspirina e
dorme.
Os anjos hão-de chegar, afagar-te o corpo, cobrir-te
de lençóis tão leves.

Aproximas-te do corpo que dorme e
beijas-lhe os olhos ao de leve, cansados, doridos, hão-de acordar também.
Esperas o além da noite e o para além.
Seguras
a felicidade nos braços mas rezas
para que
ela
não te
caia
aos pés.

Envelheces um pouco mais, fumas outro veneno mas
os ratos não roeram a rolha do rei da Rússia.

Palácios, princesas,
dragões de sítios que não conheces, a noite
não te esquece, meu filho, se um dia nasceres procura
o carro de madeira e acelera. Não escutes
os belos lábios das bonecas
de porcelana que falam, pois o amor, meu filho, o amor


é feito de trapos.

RMM

Qual dos paradigmas do Eu sobreviverá se eu não sobreviver?

Selas as cartas. Preparas os homicídios e tu sabes: Não és DE TODO uma boa pessoa. Em inúmeras culpas só tens uma pena: que a máscara caia e a desilusão dos que te amaram possa ainda ser maior. Podes culpar o vício, as sequelas pós-traumáticas, qualquer coisa. Tu sabes a resposta: Não és DE TODO uma boa pessoa.

Uma miúda pequena persegue um cão pequeno junto à estrada. Pequeno. Pequenino… Tão igual, tão parecido o momento, o quadro. Tão igual ao que eu matei há 10 anos. Pequeno. Pequenino…

tom waits - the black rider

tom jobim sinval fonseca - insensatez

sharya mazgani - bring your love